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segunda-feira, 23 de julho de 2012

A LULA E A BALEIA



Representante firme e claro do cinema independente que possui sua base em um roteiro curto, polido e forte para retratar e destrinchar a organização e as relações familiares envolvendo seus protagonistas em uma teia de dramas, descobertas e revelações, sejam em caráter pessoal ou no âmbito geral do cenário.

Dirigido e roteirizado por Noah Baumbach, A Lula e a Baleia retrata os dias pré e pós separação de um casal formado por um escritor em crise e uma nova escritora que começa a fazer sucesso. Envolvidos neste meio estão os dois filhos do casal, onde um começa a descobrir namoros e problemas e o outro começa a descobrir seu próprio corpo e sua sexualização.

 Após a separação dos pais é que o filme começa a ganhar o corpo e seus contornos mais claros. A dúvida, o sucesso, o fracasso e principalmente sensações de ter podido fazer algo mais, ajudado mais ou menos e coisas assim começam a atormentar a vida destes quatro membros da família, ao mesmo tempo em que tentam seguir suas vidas. O roteiro de Baumbach acerta a mão, ao conseguir dosar muito bem os momentos dramáticos, com alguns momentos de humor ácido sem perder em nenhum momento o respeito pelo material ou pelo espectador. Cenas mais duras ou até mesmo mais incisivas conseguem sem manter sem qualquer elemento apelativo e não se mostra distante do escopo geral ou mesmo uma manobra de resolução fácil. Além disso, o roteiro faz várias alusões a clássicos da literatura, inclusive utilizando-os como exemplo e colocando-os como norte para as decisões dos personagens em alguns momentos, sejam elas diretas ou apenas indiretas, em uma mensagem muito mais do roteiro em si do que de algum personagem. Entre os vários dramas que assolam os personagens, destaque para as enganações que o personagem Walt (o filho mais velho interpretado por Jesse Eisenberg) se impõe, seja com um infeliz namoro, um pseudo intelectualismo ou usurpar composições (no caso Hey You do Pink Floyd).

Este tipo de filme exige um elenco afiado e que compre além da ideia central, a ideia individual de seus personagens, com suas idiossincrasias e moralismos, e nesse ponto a coisa consegue funcionar novamente com algumas ressalvas. Jeff Daniels e Laura Linney como o casal central mostram a falta de química necessária para o espectador aceitar a separação, porém se tornam muito chatos quando resolvem atuar sozinhos, se é algo proposital de Baumbach deu certo, caso contrário... Jesse Eisenberg firma muito bem seu personagem, porém a cada dia que passa me parece que ele só consegue interpretar este tipo de personagem. Owen Kline se situa muito bem como o filho mais novo, e mesmo tendo cenas complicadas a fazer, se mostra desinibido e bem coerente em sua atuação. Anna Paquin está ótima como a aluna do personagem de Daniels que se torna sua namorada, contudo não supera o ótimo William Baldwin no auge da caricatura para construir o professor de tênis que se torna namorado da personagem de Linney.



É um filme interessante, bem construído e que apenas esbarra em alguns momentos na sua própria falta de ambição. É inevitável a sensação de que Baumbach poderia ter explorado melhor os simbolismos do filme, assim como suas relações, mas não vamos prejudicar tudo por causa de um detalhe como este também.





(The Squid and The Whale de Noah Baumbach, EUA- 2005)



NOTA: 7,5

terça-feira, 10 de julho de 2012

ROBOCOP



Robocop é ainda hoje um dos mais famosos personagens da história do cinema, um dos filmes mais adorados pelos fãs ortodoxos dos anos 80 e um fenômeno cinematográfico dos mais intrigantes. A história do policial Alex Murphy que após ser fuzilado por um grupo de bandidos encontra-se em estado de morte certa e é transformado em um cyborg para trabalhar ao lado da polícia de Detroit encontra-se no hall absoluto dos cults eternos.

Dirigido pelo instável diretor holandês Paul Verhoeven, a saga de Robocop é um misto de drama, ação e ficção, que mistura desde perseguições em grandes velocidades e armas de fogo pesadíssimas a dramas existenciais rasteiros e a psicologismos furados e muitas vezes irritantes. Enquanto se concentra no primeiro ponto, Robocop é realmente um filme bom e interessante, contudo quando resolve se aventurar no segundo aspecto se torna simplesmente sofrível.

Os problemas do filme vão desde efeitos especiais na linha de Jaspion e de outros tokusatsus e sentais japoneses (que funcionavam nos anos 80, mas envelheceram e necessitam de uma enorme boa vontade do espectador para impressionar) até atuações sofríveis como a de Nancy Allen no papel do policial Lewis que é parceira de Murphy  (e lembra muito a Maggie Gyllenhaal). A trilha sonora é quase uma cópia de outras ficções de elementos futuristas e cheias de sintetizadores e o roteiro possui lacunas simplesmente incompreensíveis, incluindo um de seus nortes centrais, que é a permanência da memória de Murphy após ser transformado em cyborg ou a própria sobrevivência do mesmo. O filme não deixa claro em nenhum momento se Murphy morreu ou não, ou seja, Robocop é uma transformação ou uma ressurreição, mesmo que em forma diferente? Todas as respostas que eu ouvi até agora me parecem insatisfatórias, e após muitos anos, assistindo ao filme novamente não encontrei a resposta.

Como pontos positivos temos a mixagem de som perfeita, aliada ao figurino bem construído e muito característico do personagem que, para o bem ou para o mal, criou um ícone do cinema e a direção bem dosada e firme de Verhoeven. As cenas de ação são extremamente bem feitas, e mesmo nos momentos “drama” do filme, Verhoeven consegue não prejudicar ainda mais, em outras palavras, o diretor holandês conseguiu perceber os pontos fortes do roteiro e os potencializou, tentando ao máximo diminuir o constrangimento de cenas desnecessárias e muitas vezes fora de contexto.

Eu gostava mais do filme nos anos 90, quando ainda era mais jovem e não tinha tanta bagagem em minha vida cinematográfica. Robocop envelheceu em vários aspectos, porém continua firme e forte na mente dos nostálgicos fãs dos anos 80. Efeitos especiais toscos por efeitos especiais toscos eu ainda prefiro Jaspion e afins, mas não posso negar que o Policial do Futuro ainda possui seu lugar em minha mente. No final das contas, a nostalgia e as lembranças de criança superam a chatice de uma crítica adulta.


(Robocop de Paul Verhoeven, EUA - 1987)



NOTA: 7,0

domingo, 1 de julho de 2012

SOMBRAS DA NOITE



Dizer que a parceria Tim Burton e Johnny Depp é uma das mais famosas da história do cinema é chover no molhado. Mais ainda é afirmar que a parceria produziu grandes filmes como Ed Wood, Edward Mãos de Tesoura e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, mas também produziu um desastre como A Fantástica Fábrica de Chocolate e o chato Alice no País das Maravilhas. De tal forma, analisar Sombras da Noite é realizar um exercido tanto de esforço como de gosto, seja qual for o ângulo sob o qual você programar sua visão sobre a obra.

Johnny Depp encarna Barnabas Collins, um homem de uma família inglesa que vem para o Maine nos EUA fazer fortuna no ramo da pesca. Ao se envolver com uma bruxa que ele depois renega, é transformado por esta em um vampiro e enterrado em um caixão por duzentos anos, despertando apenas no ano de 1972.

A ideia central em si já possui uma deixa sensacional para um grande filme, que é o choque de culturas. Um personagem do século XVIII que de repente aparece no século XX é um prato cheio para piadas, boas histórias, dramas e aventuras. Tim Burton consegue perceber este elemento e constrói as melhores e mais engraçadas cenas de sua obra exatamente em cima deste elemento (basta ver a cena em que Barnabas conversa com os hippies ou a cena em que ele pede conselhos amorosos à adolescente interpretada por Chloë Moretz), contudo, é inevitável notar que no momento em que o mesmo abandona tal temática o filme perde um pouco de seu ritmo, e se torna meio maçante.

O clima dark/gótico característico das obras de Burton está novamente presente aqui e com força total, algo que funciona bem, mas que neste filme, devido à temática, funciona até melhor que o normal. O roteiro possui algumas falhas de construção e de andamento, fazendo com que Sombras da Noite tenha grandes momentos intercalados com partes bem fastidiosas. No quesito direção, Burton novamente segue seu estilo, ou seja, atores muito bem focados e guiados, andando por situações muitas vezes vacilantes. Burton é um grande visionário e um grande linguista de cinema e não um grande diretor.

Refletindo na totalidade a alternância de seu ritmo, de seu roteiro e de sua direção, Sombras da Noite intercala uma direção de arte e uma fotografia vibrantes, um figurino excelente, porém uma maquiagem de gosto duvidoso. A trilha sonora possui poucos bons momentos, mas no geral é fraca e barulhenta.

O elenco é recheado de nomes conhecidos e inclui pequenas participações de lendas como Christopher Lee e Alice Cooper. Johnny Depp está ótimo no personagem, e, para minha satisfação, não recuperou as “macaquices” e trejeitos de seu Jack Sparrow. Eva Green, que já é por si só uma grande atriz, constrói uma personagem excelente, que domina boa parte do filme para cair em um desfecho lamentável. Bella Heathcothe também se destaca com sua misteriosa interpretação do terno amor de Barnabas; enquanto que Michelle Pfeiffer e Jackie Earle Haley também estão ótimos. Como destaque negativo, não tanto pela atuação, mas pela personagem, temos Chloë Moretz que sofre para se adaptar a uma personagem caricata, mal construída e que só está ali para funções de estereótipos familiares e para cumprir o papel de ser o lobisomem da vez em uma história de vampiro (nova necessidade deste tipo de filme, e que se mostra cada vez mais ridícula).

Sombras da Noite é um filme leve, muitas vezes despretensioso e que nos mostra um Tim Burton menos ambicioso. Se em vários momentos ele nos diverte, em outro ele nos leva a sensações menos interessantes, contudo não é um filme ruim, apesar de seu final preguiçoso e totalmente sem explosão. 


(Dark Shadows de Tim Burton, EUA - 2012)



NOTA: 6,5

terça-feira, 19 de junho de 2012

CORIOLANO



Estréia de Ralph Fiennes na cadeira de direção, Coriolano adapta e transporta para a atualidade mais uma obra de Shakespeare. Assim como o desafio de se fazer tal ruptura não é algo novo, os problemas e os acertos de tal audácia continuam também os mesmos.

Assim como Baz Luhrmann em seu ótimo Romeu + Julieta e Michael Almereyda  em seu não tão ótimo Hamlet – Vingança e Tragédia, Fiennes opta por manter a linguagem clássica e erudita de Shakespeare, algo que já de início choca, ainda mais aqui, onde as cenas iniciais são de guerra constante. Esta manutenção da linguagem erudita, por mais que agrade pessoas de ouvidos abertos às nuances e belezas da língua, atrapalha na assimilação da ideia geral e do contexto mais coloquial devido ao excesso de metáforas e elementos poéticos, em outras palavras, como não estamos diante de um filme de época, onde o espectador já espera tal erudição lingüística, o negócio soa meio artificial e deslocado. No filme de Luhrmann acima citado, o aspecto romântico da fita segura esta artificialidade em baixa devido à poesia do próprio romance. Já no caso de Almereyda, a artificialidade é mais evidente, porém disfarçada também pela majestoso ambiente que a melhor peça de Shakespeare propõe. Todavia, Fiennes se vê de encontro com uma história totalmente trágica, com elementos políticos e diplomáticos que funcionavam na Roma Antiga, mas que atualmente não funcionam mais.

Banimento da cidade, patrícios, plebeus não condizem com o meio atual e deixa o espectador meio desconfortável quanto ao real sentido de tudo aquilo. O desenrolar é simples, e em alguns momentos as coisas se resolvem muito fáceis, enquanto que em outros o negócio rasteja. O início é muito lento e tedioso, e provoca uma correria no final, onde muitas coisas são atropeladas. Fiennes acaba perdendo um pouco a mão neste sentido, e não consegue um bom equilíbrio do enredo, onde temos um início extremamente maçante, uma meio empolgante e forte e um final corrido e com desfecho mal trabalhado.

Tirando estes elementos, e o fato de o filme se perder um pouco nos “romanismos” que a peça possui, Coriolano caminha até bem. Fiennes tem uma atuação incrível como Caio Márcio e Vanessa Redgrave encarna com muita força a mãe do personagem central. Mesmo Gerard Butler cuja qualidade da atuação nunca supera seu carisma é conduzido de maneira segura por Fiennes. Por sua vez, Jessica Chastain, o novo arroz de festa do cinema, está um pouco apagada em um papel de pouca relevância como a esposa devota do General Caio Márcio.

O trabalho é ousado e Fiennes pagou um pouco pela ousadia. Talvez um diretor mais experiente conduzisse melhor tal obra, entretanto, o início é sempre complicado, e Fiennes parece ter talento para a nova função que se propôs a assumir. Seu trabalho no final das contas é caracterizado por uma boa direção dos atores, mas por uma má distribuição do roteiro e por problemas de andamento. Logicamente, o ator que já nos propiciou grandes atuações em A Lista de Schindler, O Morro dos Ventos Uivantes, o Paciente Inglês e é conhecido do grande público por ter encarnado o maléfico Lorde Voldemort na saga Harry Potter terá muito a evoluir na função de diretor, contudo, parece ter talento e perspicácia, algo que nos leva a acreditar que no futuro filmes melhore virão. Coriolano não chega a ser um filme ruim, mas falta um algo a mais para elevá-lo às categorias áureas do cinema, e é exatamente este algo a mais que Fiennes terá que aprender.


(Coriolanus de Ralph Fiennes, Inglaterra - 2011)


NOTA: 5,5

sábado, 16 de junho de 2012

A FRONTEIRA



Produção franco-suíça, A Fronteira é um dos mais famosos representantes do cinema de horror moderno europeu, e sendo assim, faz parte desta tentativa do velho continente em retomar e, de certo modo, se tornar um potência neste gênero tão apreciado, mas que sempre foi um pouco esquecido por várias escolas européias. 

Partindo de um argumento não muito original, mas que ainda funciona, A Fronteira mistura sustos, com cenas fortes, extrema sanguinolência e opta pela bestialidade humana ao invés do elemento sobrenatural. Assim, elementos clássicos do terror não-sobrenatural como endogamia, canibalismo, mortes violentas, deformações, sadismo entre outros; percorrem os pouco mais de noventa minutos deste trabalho.

Um grupo de amigos parte da França em direção à Holanda para ajudar uma amiga a realizar um aborto, contudo se tornam prisioneiros de uma família de neonazistas canibais. Em primeiro ponto, o argumento parece simples, contudo, em meio a este aspecto central, existem várias histórias paralelas que funcionam em algumas partes (a rincha entre os familiares nazistas ajuda no clima de brutalidade) e prejudicam a fita em outras (o romancizinho entre os personagens centrais poderia ter sido evitado).

O filme é escrito e dirigido pelo francês Xavier Gens e acredito que é exatamente que residem todas as qualidades e, principalmente, os problemas do filme. Gens é um péssimo diretor de cenas de ação. Em alguns momentos o filme possui perseguição e tiroteio e chega a ser impressionante a falta de tato do diretor nestas cenas. Ele opta por vários cortes e uma câmera incessantemente trêmula que prejudicam demais a compreensão e o acompanhamento das cenas por parte do espectador. Por outro lado, em momentos mais calmos, ele consegue encaixar bons enquadramentos e dirige os atores de forma, no que é possível devido ao talento dos mesmos, até precisa.

Contudo, uma direção inconstante não é o ponto mais fraco do filme. Como eu já disse, o argumento é bom, o desenvolvimento é correto e o desfecho interessante, todavia a sensação de covardia do roteiro é inevitável. As cenas de tortura e de terror propriamente ditas são superficiais e passam a sensação de que Gens pretende eliminar um pouco o elemento explícito do filme para angariar um público não tão acostumado a tanta brutalidade. Com uma oportunidade dessas, Gens poderia ter ido muito mais além, e transformado A Fronteira em um filme muito mais visceral e poderoso algo que o diretor em questão optou por trocar por uma maior acessibilidade de sua obra.

Por mais que A Fronteira se mostre instável e covarde em alguns pontos, no final das contas o filme se sai bem e não coloca o espectador diante daquela sensação de tempo perdido. Eu confesso que esperava um pouco mais, contudo não chegou a ser decepcionante.


(Frontière(s) de Xavier Gens, França/Suíça - 2007)


NOTA: 6,5

segunda-feira, 4 de junho de 2012

JULGAMENTO EM NUREMBERG



Baseado nos julgamentos reais de colaboradores do nazismo ocorridos em Nuremberg na Alemanha poucos anos após o término da Segundo Guerra Mundial em 1945, este drama de tribunal do grande Stanley Kramer consegue com grandes méritos, não apenas reproduzir o clima dos tribunais de guerra, mas vai além e desenvolve válidos debates acerca de temas como a autonomia da nação sobre a lei, a soberania da mesma, a própria lei em si, além de adentrar em elementos complexos e que perpassam a humanidade até hoje; afinal apenas a Alemanha e seu povo são responsáveis por Hitler? Quanto o povo alemão sabia sobre as atrocidades praticadas pelo partido nacional-socialismo e o quanto devemos culpá-los de forma geral?

O roteiro do filme acerta em apenas apresentar as hipóteses acima colocadas, fazendo no máximo conjecturas acerca das mesmas nas figuras do advogado de defesa e da promotoria, contudo, nunca se verifica um como mais correto do que o outro, perpetrando com que tais questões apenas continuem pululando na mente das pessoas, levando-as às suas próprias decisões sobre o complexo e polêmico tema. Mesmo a decisão final em torno dos réus, não implica em uma tomada de posição, pois o roteiro e Kramer fazem questão de deixar bem claro que estamos diante de um julgamento de casuística e não de generalidade do nazismo na Alemanha.

Prato cheio para os estudantes de direito (os interessados e não essa patifaria que assombra os estudantes de direito atuais em sua maioria), os debates ocorridos ao longo dos quase 180 minutos de duração da fita são soberbos e cheios de passagens clássicas, além disso, Kramer é extremamente feliz no tempo dos diálogos e no modo como intercala momentos mais leves, de cafés e bebidas com os pesados momentos de debate e de oratória proveniente dos julgamentos.

Contudo a terceira haste do clássico tripé direção-roteiro-atuação também funciona muito bem, algo essencial em um filme fechado, que não possui nenhum outro elemento de impacto além do modo como o elenco assume as passagens e os insere em suas interpretações. Burt Lancaster incorpora de forma impressionante a culpa e tristeza do magistrado réu Ernst Janning. Judy Garland e Montgomery Clift e Judy Garland colaboram com o status de coadjuvantes de luxo. Maximilian Schell rouba a cena e enche a tela de emoção em seus discursos imponentes na defesa dos réus nazistas enquanto Spencer Tracy mostra novamente a união fina entre força e carisma em uma atuação que exige um tipo especial de talento que somente os grandes atores como Tracy possuem. Por mais que eu ainda prefira sua atuação em O Vento Será Tua Herança, colaboração anterior de Tracy com o diretor Kramer é impossível negar a grandeza da atuação do veterano ator.

Um grande filme e que consegue ecoar sua grandeza por vários âmbitos da especulação e do conhecimento, seja ele cinematográfico, histórico, ético ou do direito, isto para nos mantermos apenas nos mais explícitos. Muito mais que um filme de tribunal, a obra de Kramer é um clássico, exatamente por ter conseguido, sem se tornar ideológico ou partidário, elencar quase que de forma geral as complexidades de um processo histórico como o de Nuremberg. Nas mãos de alguém descuidado, um filme como este poderia se tornar um grande desastre; felizmente o homem da câmera era Kramer e este perigo não chegou nem a rondar os sets de filmagem.


(Judgement at Nuremberg de Stanley Kramer, EUA - 1961)



NOTA: 8,5

quarta-feira, 23 de maio de 2012

MÁRTIRES



Esforcei-me muito para encontrar este filme de grande fama entre os fãs de cinema de meios mais alternativos e obscuros. Todo este esforço, pensava eu, deveria ser recompensado com um grande filme de horror, algo difícil de imaginar quando verificamos que na verdade Mártires é uma produção francesa, o que por si só, e baseado na história do cinema deste país, parece caracterizar uma contradição embutida. Contudo, a verdade é que após os pouco mais de 90 minutos da fita, esquecemos a questão da nacionalidade e passamos a entender de forma bem clara o motivo de tanta fama e de tanta admiração, já que Mártires é um dos grandes momentos do cinema de horror dos anos 2000.

O cinema europeu nunca foi um grande produtor de filmes de terror (com exceção da Itália, claro), porém, com a grande crise do gênero dos EUA, os europeus resolveram se aventurar por este meio, e alguns conseguem grandes resultados como o espanhol [REC] e este filme aqui, que se utiliza de elementos de tortura e sadismo, porém sem aquele elemento de pura violência de filmes como O Alberque, Os Estranhos ou Violência Gratuita. Em Mártires, muito mais que o simples torturar por prazer, existe um conceito, uma ideia que é utilizada como pretexto e como defesa para tais torturas. Não entrarei em pormenores da discussão sobre a validade e a percepção da ideia que norteia tais procedimentos, pois de tal maneira poderia revelar detalhes do filme que chateariam pessoas com a intenção de assisti-lo, todavia posso afirmar que a ideia é interessante e muito bem colocada, mesmo que em alguns momentos se torne pouco explicada e em outros um pouco acelerada para dar lugar a cenas mais brutas e viscerais.

Mártires possui qualidades raras em filmes de terror. O elenco está muito bem, responde em igual qualidade tanto nas cenas de terror quanto nas cenas com exigência de maior dramaticidade. O arco argumentativo do filme é ótimo e muito bem trabalhado, assim como a intercalação entre passado e presente e as representações alucinógenas dos personagens. Além disso, a brutalidade do filme se dá com pouca escatologia e com muita precisão, utilizando-se muito pouco de elementos de cunho mais gore e focando-se em uma mistura muito bem dosada de terror psicológico e terror físico. O diretor Pascal Laugier consegue desenvolver o argumento de uma forma muito correta, e sua mão pesada é essencial para o clima de sofrimento e de dor constante que o filme tem necessidade de mostrar. Nas cenas finais, ou seja, momentos das revelações chaves da fita, o clima é extremamente perturbador, e a situação da torturada é arrepiante, porém o filme não perde o foco, e continua em sua linha de necessidade deste elemento para o cumprimento de seu objetivo. Muito mais que torturar o espectador, Pascal Laugier consegue impor reflexões sobre as obsessões humanas e os limites práticos de suas buscas. Muito mais que teoria, Mártires mostra o ser humano não se contentando a especulações metafísicas e teológicas e o revela em tentativas práticas de elementos especulativos em sua essência.

Se Mártires possui um defeito, este com certeza é seu trabalho de maquiagem, que em alguns momentos se mostra extremamente falho, tirando toda e qualquer realidade da cena, e a transformando em algo incomodamente superficial, entretanto, optei por ignorar tal aspecto, por se tratar de um filme independente, de baixo orçamento, e que possui preocupações (sendo estas bem desenvolvidas) muito maiores e mais importantes.

Mártires não foi lançado no Brasil, o que dificulta o acesso dos fãs locais ao mesmo, contudo o remake americano (é claro que isto iria acontecer) deve aparecer por aqui para deturpar a obra original e torná-la bem menos potente e interessante, de tal forma, que fica aqui a minha dica: antes de ser infectado pela versão estadunidense, procure na internet ou com colecionadores a versão original e se surpreenda com um grande filme, que consegue superar os sustos baratos e as histórias estúpidas que normalmente caracterizam os filmes do gênero atualmente. Imperdível.


(Martyrs de Pascal Laugier, Canadá/França - 2008)



NOTA: 9,0

domingo, 20 de maio de 2012

DAUNBAILÓ



Cult por excelência, a comédia do famigerado Jim Jarmusch é uma das grandes experiências cinematográficas que vivenciei nos últimos anos. Lembro-me de há muito tempo atrás ter assistido a esta obra, contudo, sem perceber as nuances e toda a preciosidade que hoje, bem mais maduro, consegui perceber, em outras palavras, Daunbailó passou de um filme esquecido em minhas memórias para um de meus favoritos em apenas uma nova chance.

Jim Jarmusch é conhecido principalmente no meio do cinema independente, e famoso por proibir que seus filmes sejam dublados quando lançados em países que não compartilhem da língua original da fita (se todos fossem iguais a Jarmusch...). Aliás, isso evita o espectador de assistir a esta obra dublada e perder o show que Roberto Benigni dá em sua interpretação, marcada principalmente pelo sotaque arrastado da mistura entre um péssimo inglês e um italiano fluente.

A dificuldade em se traduzir ipsis litteris o título original (Down By Law – algo como derrubados pela lei, ou algo assim), levou a distribuidora brasileira a “aportuguesar” o título, daí então saiu este neologismo Daunbailó, que no final das contas não significa nada e não antecipa absolutamente nada sobre o filme. Zack e Jack são dois homens um pouco perdidos da vida, que um dia vêem suas vidas terem uma grande reviravolta quando acabam presos em armadilhas. Na prisão, os dois acabam conhecendo Roberto, um imigrante italiano acusado de homicídio. Os três então resolvem fugir da penitenciária e começam a vagar a procura de uma nova vida.

É impressionante o modo como Jarmusch consegue moldar o tema de “prisão e fuga” de uma forma totalmente nova e empolgante. Mesmo as cenas trancafiadas nas celas da prisão são de uma gentileza e de uma esperteza acima da média. O grande trunfo para isso é a mão sutil e precisa de Jarmusch que sabe dosar muito bem comédia e o drama vivido pelos personagens, o aguçadíssimo roteiro, cheio de grandes diálogos e excelentes passagens (a cena em que Roberto - Roberto Benigni - sozinho realiza um monólogo enquanto assa um coelho em uma fogueira a beira de um pântano, relembrando sua família e seus tempos na Itália é hilário e totalmente impagável) e um elenco ótimo e bem adaptado aos personagens. Conhecido por A Vida é Bela e por seu escândalo ao receber o Oscar, Roberto Benigni nos brinda aqui com sua melhor atuação, merecendo, novamente neste texto, mais um elogio deste que vos escreve.

O preto e branco do filme é muito bem construído, e carrega consigo um tom de nebulosidade na vida dos personagens, afinal nada do que acontece com eles é muito colorido. Além disso, a colaboração do preto e branco deixa a obra de Jarmusch com uma beleza poética poucas vezes vista; como exemplo, temos o desfecho, filmado com o olho do espectador por Jarmusch enquanto os personagens seguem seus caminhos.

Muito mais que uma grande comédia, Daunbailó é um grande filme, e completamente obrigatório para qualquer fã de cinema. Acompanhar Jarmusch em um de seus melhores momentos guiar um Benigni extremamente inspirado na construção de uma obra muito bem apurada e que consegue ser única é algo que não escolhe momento e nem situação, simplesmente serve de qualquer forma.


(Down By Law de Jim Jarmusch, Alemanha/EUA - 1986)


NOTA: 9,0

segunda-feira, 14 de maio de 2012

NOITE DE ANO NOVO



Já faz algum tempo que várias comédias românticas tem apostado em uma fórmula básica: várias pequenas histórias, envolvendo vários personagens, que às vezes se cruzam e outras não e que possuem um elemento ou uma base argumentativa central, que norteia e que, muitas vezes de modo indireto, situa as ações de toda a proposta escrita do filme. Noite de Ano Novo é o mais novo (pelo menos até onde eu saiba) representante desta turma, que entre umas e outras, não produz grandes filmes, mas se mostra até mais interessante que a pieguice comum dos outros tipos de comédias de caráter romantizado.

Este tipo de comédia romântica funciona sobre alguns centros de força bem claros: o carisma das pequenas histórias, a capacidade do diretor de entrelaçar e dosar o quanto de tempo e de espaço cada uma destas histórias ocupará na trama e o quanto o elemento central interfere nestas mesmas histórias. Em Noite de Ano Novo, o elemento central é o fato de todos os personagens estarem envolvidos em algum tipo de sentimento, bom ou ruim, em relação à passagem do ano. Assim sendo, dentro deste âmbito, vários personagens e várias histórias se desenrolarão, sendo algumas boas e outras nem tanto. Entre as boas histórias, a minha favorita é a disputa entre dois casais para vencer um prêmio em dinheiro para o primeiro bebê a nascer no novo ano, se mostrando ao mesmo tempo engraçada e com um desfecho bonito e terno sem ser bobo. Além disso, destaco também a interessante química entre Ashton Kutcher e Lea Michele, que de modo sutil, acaba funcionando; o casal formado por Jon Bon Jovi (o próprio) e Katherine Heigl, o bom desempenho de Hilary Swank e a presença daquele talento natural, na pessoa de Robert De Niro, que somente os grandes atores possuem. Por outro lado, Sarah Jessica Parker continua um saco de atriz, o casal formado por Zac Efron e Michelle Pfeiffer (com uma atuação de peixe morto) é um porre e suas cenas são chatíssimas, além de Abigail Breslin como uma adolescente azucrinantíssima acompanhada de uma horrenda maquiagem.

A direção de Garry Marshall (o mesmo de Uma Linda Mulher e outras bobagens) é dosada e sabe intercalar bem as histórias, sem deixar que algumas sumam por muito tempo ou que outras apareçam demais, mesmo assim, algumas sub tramas poderiam ter sido melhor exploradas, como a da personagem de Halle Berry, que acaba ficando muito deslocada e a da relação entre os personagens de Robert De Niro e Hilary Swank, tornando-a muito periférica e sem o devido respeito. Ao terminar o filme, minha namorada inquirida por mim sobre sua opinião em relação ao tal me respondeu da seguinte forma: “para um domingo a tarde está bom”; e é exatamente isso que Noite de Ano Novo é um bom filme de entretenimento para aqueles momentos em que o espectador só busca relaxar. Não é um grande filme e muito menos uma obra inovadora, porém, não é melosa, nem apelativa e não subestima a inteligência do espectador, o que para uma comédia romântica atual já é um grande lucro. Se você  não se incomoda com este tipo de mais do mesmo e procura algo leve e sem grandes pretensões no mundo artístico e cinematográfico, este aqui lhe satisfará sem problema algum.


(New Year´s Eve de Garry Marshall, EUA - 2011)


NOTA: 5,0

segunda-feira, 7 de maio de 2012

FOOTLOOSE



Footloose – Ritmo Louco de 1984 é juntamente com vários outros filmes, incluindo outros do gênero mais voltado para o musical, um claro representante da juventude dos finais dos anos 70, dos anos 80 e das idiossincrasias da mesma. Peculiar como poucas outras épocas (talvez no máximo a juventude dos 50), a juventude acima citada era cheia de rebeldia e possuía um apreço por mudanças e vivências que moldaram grande parte das conquistas posteriores dos próprios jovens, e se, a juventude dos anos 90 (minha geração), não conseguiu dar prosseguimento a esta formulação foi por uma clara mudança de paradigma da própria sociedade que já não exigia tanta rebeldia, ou que a transformou em algo piegas. Fiz toda esta introdução, pois é exatamente neste aspecto o principal problema desta pífia refilmagem do clássico dos anos 80, ou seja, a juventude não precisa e, principalmente não quer e não se identifica com um Footloose.

Se nos anos 80 a dança e a música ainda representavam uma ala da juventude, e os mesmos viam nela uma chance de libertação, atualmente, quem olha para o cenário proposto pelo filme, se acalenta e se apega muito mais aos argumentos “arcaícos” dos líderes da pequena Bomont do que ao dos jovens. Pode parecer preconceito ou velhice precoce, mas com exceção de algumas danças que ainda se mostram como formas de arte e expressão corporal, a maioria das mesmas é pura depravação e o filme, infelizmente, acaba por escorregar aqui. A ideia de Footloose funcionou há quase 30 anos atrás, mas não funciona mais, fazendo com que o filme se torne desnecessário, despropositado e principalmente, frívolo e estúpido. O mérito que o filme tem de se manter, em grande parte, fiel ao original, é um tiro no pé, pois Footloose envelheceu, e se mantém vivo apenas através do saudosismo e da nostalgia nos fãs, não através de suas próprias qualidades.

Como se não bastasse os problemas acima listados que são de ordem muito mais subjetiva, vamos aos problemas objetivos do filme, e estes são muitos. As cenas de dança são bem filmadas e coreografadas, até que sim; os atores dançam bem, assim como os apoios, claro, afinal são bailarinos, mas isso, para um filme que se pretende musical e quase que uma ode à dança é o básico do básico, mas e o restante? O filme tem cerca de 110 minutos, sendo que destes a minoria são cenas de dança. No momento em que os atores tem que atuar ao invés de dançar, a falta de talento é gritante. Na atual cena cinematográfica, encontrar atores completos como havia antigamente, que sabiam cantar, dançar, atuar e coisa assim é coisa rara, ainda mais entre jovens, assim sendo houve a opção de escalar bons dançarinos que são péssimos atores. Repare na cena em que a protagonista (Julianne Hough) tem que dramatizar em uma conversa com seu pai (o quadrado Dennis Quaid) e sua mãe (a sumida e cheia de botox Andie MacDowell) após apanhar do ex-namorado, exemplo claro da falta de capacidade dramática da atriz.

As roupagens mais atuais das músicas e dos números de dança não me agradaram, os protagonistas são fracos e não possuem o mesmo charme e carisma dos originais e o argumento central não funciona mais, ou seja, esta é mais uma refilmagem que não deveria ter sido, pois não agrada em nada e não acrescenta em nada aos fãs antigos e com certeza, não fará sucesso entre os potenciais fãs da atualidade. Ao contrário do original que é sempre lembrado, e se tornou um clássico apesar de suas visíveis falhas, este aqui cairá em um merecido esquecimento. 


(Footloose de Craig Brewer, EUA - 2011)


NOTA: 3,0

quarta-feira, 2 de maio de 2012

11-11-11



Se utilizar de uma data e de elementos da numerologia para tentar gerar uma premissa válida para um filme de terror/suspense não é, nem de longe, uma das grandes originalidades do mundo do cinema. Contudo, o diretor Darren Lynn Bousman, que possui no currículo os filmes de número II, III e IV da franquia Jogos Mortais, inovou a se utilizar de uma elemento mais realista e preciso quanto ao datamento do filme, lançando-o no dia correspondente e coisas assim, porém, a única coisa que este filme tem (teve na época do lançamento) de bom é o trabalho de marketing, porque o filme em si é uma lástima.

Há muito tempo eu não assistia a um filme que é contraditório em relação à sua premissa básica e norteadora do contexto. O filme defende em vários momentos o poder dos livros sobre as pessoas, mas abandona isso para finalizar seu andamento, e, além disso, o substitui por elementos retóricos e que não haviam sido sequer colocados até aquele momento. Como se não bastasse, o filme possui um psicologismo e um elemento religioso de nível muito baixo, e nem sequer consegue fomentar no espectador o interesse pelo elemento do número “11”, fazendo com que tudo aquilo pareça muito mais uma coincidência mesmo do que uma ação conectada, ou seja, erro primário de construção argumentativa. Os buracos são gigantescos, e a quantidade de joguetes mal encaixados e de remendos para gerar um possível andamento são visíveis e comprometedores. Chega a impressionar que Bousman tenha chegado a pensar que sua plateia fosse tão estúpida a ponto de não perceber tais circunstâncias.

Como se não bastasse, o filme é cheio de tentativas baratas de sustos que não funcionam de maneira alguma. A direção é bisonha em alguns momentos, errando feio na utilização das sombras e principalmente da iluminação (repare nas cenas chuvosas onde isso fica muito claro). A fotografia é exageradamente escura e parece querer esconder as imperfeições do filme, e pasmem, é claro que não consegue.

Por incrível que pareça, o que menos prejudica o filme são seus protagonistas, que possuem uma boa delimitação pessoal e são bem conduzidos pelos atores Timothy Gibbs (Joseph) e Michael Landes (Samuel). O trabalho dos dois, por mais que não se encaixem como primores interpretativos, comparados ao nível baixo do restante da fita se destacam.

Agora, é lógico que 11-11-11 não poderia fugir da moda pós O Sexto Sentido quase que dominante do gênero, em elaborar algum tipo de reviravolta mirabolante no final para surpreender o espectador. Eis então que Bousman se inspira naquilo que existe de mais cruel na produção artística dos seres humanos e nos mostra que “o buraco é mais embaixo”. O que já era ruim fica ainda pior, em um final estúpido, equivocado, deslocado e que não consegue se explicar, além é claro, como eu já disse, de contradizer toda a ideia até ali apresentada pelo filme.

Uma tragédia cinematográfica que me propiciou apenas um grande medo: o de uma sequência aproveitando o vindouro dia 12-12-12, o que nos levaria a lamentar demais o fato de que a profecia maia só se cumprirá no dia 21-12-12 (repare que 21 é 12 ao contrário hehehe). Lamentável.


(11-11-11 de Darren Lynn Bousman, Espanha/EUA - 2011) 


NOTA: 2,0

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O ROLO COMPRESSOR E O VIOLINISTA



Média metragem feito para a conclusão de sua faculdade de cinema aos vinte e oito anos de idade, O Rolo Compressor e o Violinista é um excelente embrião da nobreza que, futuramente se transformaria o cinema deste gênio da sétima arte que atende pelo nome de Andrei Tarkovsky. Centralizando na inusitada amizade entre um garoto violinista e um motorista de um rolo compressor que realiza um trabalho perto da residência do já citado garoto, Tarkovsky já dá mostras de um talento acima da média. Logicamente que esta pequena e primeira obra ainda é crua e mostra um Tarkovsky mais vacilante, contudo a beleza poética e a simplicidade com que o assunto é tratado só poderiam vir de uma mente que entende a verdadeira síntese e propriedade do cinema, e sabe consequentemente organizá-la e projetá-la sem retirar sua parte mais nobre.

Tarkovsky varia de planos amplos para fechados, e utiliza-se da expressão dos atores e dos cenários para criar um clima fino, que consiga sintomatizar a relação de amizade que se constrói. O roteiro, muitas vezes baseado apenas nas imagens, é uma de beleza ímpar, e perpassa o espectador levando-o a uma análise de mais profunda de tudo o que se desenrola em cena. Utilizando-se das características marcantes de cada personagem, Tarkovsky realiza um movimento de assimilação entre público e filme, além de unir os dois personagens principais por estes elementos. Muito mais que uma simples amizade, os grandes momentos destes novos amigos, mostram-se exatamente no compartilhamento daquilo que cada um possui para oferecer, sendo no caso de Sergei (O Rolo Compressor) uma divertida “volta” na máquina de trabalho do mesmo e no caso de Sacha (O Violinista) uma suave música tocada em seu violino. A profundidade da amizade ultrapassa a vontade que cada um possui de conviver com a outra parte e se mostra totalmente desinteressada, desembocando em um triste, porém singelo final.

As interpretações merecem destaque, principalmente a do menino Igor Fomchenko que constrói um personagem simplesmente magnífico e que se enquadra exatamente naquilo que aparentemente era a intenção de Tarkovsky. As alterações de humor e as demonstrações de amizade partem das feições deste menino de forma intensa e simplesmente fenomenal.

Muito mais destacado pela beleza do que pela inovação técnica e estética que marcaria a obra posterior de Tarkovsky; O Rolo Compressor e o Violinista é uma obra obrigatória para os fãs de um cinema simples, belo e ao mesmo tempo marcante e pouco convencional. Uma história de amizade incrível, emocionante e que nos coloca frente a frente com os primeiros passos de uma dos maiores gênios da história do cinema. 


(Katok I Skripka de Andrei Tarkovsky, Rússia - 1960)


NOTA: 9,0

domingo, 22 de abril de 2012

CORAÇÃO DE CRISTAL



Werner Herzog é, ainda hoje, um dos grandes diretores que o cinema produziu. Dono de um estilo único, que mistura brutalidade com elementos poéticos para realizar grandes análises da natureza humana, o diretor alemão já nos presenteou com clássicos como Fitzcarraldo, O Enigma de Kaspar Hauser e o meu favorito, o estupendo Aguirre, a Cólera dos Deuses, todavia, Coração de Cristal é com certeza, entre os filmes do diretor que eu tive a oportunidade de assistir, o mais emblemático e o mais experimental trabalho de sua carreira.

O filme é extremamente simbólico e cheio de diálogos magistrais, que possuem em seu cerne, tanto elementos do teatro clássico quanto elementos poéticos de altíssimo nível. A fotografia é bárbara e a condução de câmera por parte de Herzog é algo para ser analisado em uma escala diferente. O diretor realiza inúmeros movimentos ao longo do filme, o que o torna um trabalho extremamente imprevisível. Herzog inverte planos, expande e retrai os mesmos ao seu bel-prazer, mas nunca de forma arbitrária, coloca a câmera em sua mão quando julga necessário e até verticaliza alguns planos, tudo com um toque clássico de alguém que realmente sabe o resultado que quer adquirir. Um exemplo claro dessa grandiosidade é a sequência final, que se passa em uma ilha e que dura alguns minutos, em que Herzog dá uma aula de direção e com ângulos e movimentos ousados cria planos maravilhosos e cenas inesquecíveis.

Apesar de possuir uma linearidade, Coração de Cristal possui vários fragmentos em sua execução, fragmentos estes que, por mais que possuam relação com o todo, se auto explicam através de aspectos existenciais e teses elaboradas em tons proféticos, materializando-se na pessoa do “vidente” Hias, responsável pela maioria dos grandes diálogos que o filme possui.

A busca da fórmula secreta do “vidro-rubi” perdida com a morte do único homem que a conhecia, faz com que um vilarejo se perca em obsessão e lamúria, pois os mesmos vivem desta especialidade. Personagens se alteram, definham, crescem, e tudo isto sem qualquer dano ou apelação ao alinhamento construído, ou seja, o desespero das pessoas com o alicerce perdido, o vislumbre de um futuro sem nada, culminando em atitudes e condições extremas dos personagens. Coração de Cristal é lento, pouco convencional, em alguns momentos desesperador e exige muita concentração do espectador, ou seja, é cinema de grande profundidade e de grande afetação. Visualmente e esteticamente experimental, é um filme único na carreira de Herzog, o que o torna pouco visto mesmo entre seus fãs, que na maioria das vezes são adeptos ao seu cinema mais “comum”.

Como última ressalva, vale o destaque de que, segundo o que eu li, Herzog utilizou técnicas de hipnose em alguns atores, principalmente nos coadjuvantes, para que os mesmo realizassem cenas em estado alterado, com a intenção de realizar o mesmo movimento no espectador, fincando sua presença através da loucura e do exagero imposto a estes atores e no final das contas, ele conseguiu, pois com o perdão do trocadilho, o filme é realmente hipnotizante. Obrigatório.


(Herz aus Glas de Werner Herzog, Alemanha - 1976)


NOTA: 9,5

segunda-feira, 16 de abril de 2012

MIKEY


Qualquer fã de filmes de terror já se interessaria por este filme só pela frase de chamada na capa do DVD: “Lembre-se, Jason e Freddy já foram crianças também”. Uma chamada de efeito que busca referências nos dois maiores ícones do cinema de terror, além de dois dos maiores assassinos da história do cinema em geral. Como se isso não bastasse, isto é feito para apresentar um filme sobre um menino de oito anos, em outras palavras, nada de adultos ensandecidos matando tudo e todos; já que em Mikey, e percebe-se isso logo na primeira sequência, o assassino é a criança.

O grande barato é o fato de o filme dispensar explicações estúpidas sobre os motivos que levam a criança a cometer tais crimes, limitando-se apenas aos clichês do órfão que passa de família em família. Em nenhum momento o filme tende a explicações psicológicas de falta de amor dos pais ou traumas e coisas assim, sendo que as citações a este tipo de situações são extremamente manipuladas pelo personagem infantil. O menino é mal e ponto, não há tentativas atuais “politicamente corretas” e moralistas para tentar manter a criança em um esquife impenetrável de pureza. O filme só trabalha com a ideia que trabalha, por que foi produzido em uma época que aceitava tal possibilidade, contrastando com a época atual, onde médicos, psicólogos e seres afins tentam “isentar” pessoas simplesmente más e que cometem crimes de acordo com a sociedade, através de apelações e argumentos muitas vezes mal explicados, retóricos e dogmáticos.

A atuação do jovem Brian Bonsall como Mikey é bárbara, e tenho certeza que não gerou nenhum trauma ou seqüela no menino a interpretação de tal personagem (ou alguém vai querer vir com o papo furado de que os problemas que o mesmo teve com a polícia por agressão ou violação de condicional vem daqui?). O roteiro é bem amarrado e algumas cenas são de uma felicidade rara (como a cena da mesa de jantar), contudo, o filme poderia ter uma direção menos vacilante e uma trilha sonora mais bombástica. Todavia são pequenos empecilhos perante um filme perturbador, intrigante, em alguns momentos extremamente empolgante e que trabalha com boas idéias e perspectivas, mesmo que as mesmas sejam abomináveis perante à ideia cristã-moralista da pureza e bondade eterna das crianças. Aliás, provavelmente este moralismo cristão exagerado impediu o filme de ser lançado no Brasil, ou seja, dificuldade de acesso de novo, algo cada vez mais comum para não-fãs de filmes de super heróis, Transformers ou Crepúsculos da vida.

Fica aqui novamente uma dica para cinéfilos que possuem facilidade para fuçar na internet e encontrar tais obras, para aqueles que não possuem tal facilidade, resta ter um amigo com essa facilidade e que ele consiga tal filme pra você, e por aí vai, o que venhamos e convenhamos é algo bem triste, pois priva muitas pessoas do acesso a filmes muito interessantes, categoria que Mikey se encaixa facilmente.





(Mikey de Dennis Dimster, EUA - 1992)




NOTA: 8,0

segunda-feira, 9 de abril de 2012

FLORESTA NEGRA


Atualmente parece surgir no cinema e no entretenimento em geral uma onda de transformar aqueles clássicos contos de fadas que povoaram gerações e mais gerações em obras mais assustadoras e insinuantes. Só no campo dos seriados temos dois claros representantes desta temática; Grimm e Era Uma Vez, série às quais não assisti nenhum capítulo, mas que tive a oportunidade de me deparar com os resumos de seus episódios e daí retirar este meu comentário. Além disso, no próprio cinema, tivemos o desastroso A Garota da Capa Vermelha no ano passado e neste 2012 assistiremos (ou não) ao lançamento de duas novas versões da clássica história de A Branca de Neve, contudo, não acredito na possibilidade de nenhuma das duas serem superiores a esta surpreende adaptação do conto compilado pelos Irmãos Grimm.

O diretor Michael Cohn cria uma incrível roupagem para esta adaptação. Tudo é muito obscuro, muito misterioso, muito penumbroso. O suspense é forte e circunda todo o filme, caminhando ao lado do mesmo de seu início até os momentos do ótimo desfecho. As poucas deturpações na história ajudam o espectador a se identificar com o clima proposto, porém, o grande acerto do diretor é eliminar ou suplantar elementos da história original que a transformam em um conto infantil, fazendo com que a fita ganhe em “público idade”. O príncipe encantado aqui não é bem lá um poço de bondade e pureza, e os sete anões são substituídos por uma espécie de grupo de renegados e marginalizados, dos quais vários possuem seus rostos deformados ou cicatrizados.

O elenco está muito bem, desde o grupo desconhecido de coadjuvantes, passando por uma concisa atuação do normalmente burocrático Sam Neil e desembocando na ótima atuação de Sigourney Weaver como Lady Claudia, ou para associá-la ao conto original, como a Madrasta.

Floresta Negra (não vou nem comentar o título em português) é sim um filme de terror, e de terror psicológico, muito mais puxado para o suspense do que para o terror explícito, e muito mais do que sustos, o filme se apóia nas relações pouco harmoniosas e humanas entre os personagens, e no incrível elemento perturbador proporcionado pelo ótimo trabalho artístico, com destaque para a belíssima fotografia em tons azulados e uma ótima maquiagem. Contudo, como ressalva, vale comentário o pouco capricho com os efeitos especiais em algumas cenas, que, se causados pela falta de dinheiro se torna algo perdoável, todavia, se o motivo for a incompetência dos profissionais responsáveis pelos mesmos, não há razão alguma para se esquivar de tal percepção, nada que estrague o bom resultado final, mas é nítido que o trabalho nesta parte específica da obra está abaixo do restante.

Um filme muito interessante e que deveria ter recebido um reconhecimento maior, o que infelizmente não aconteceu. A fita se perdeu na passagem do VHS para o DVD e não foi lançada no Brasil neste segundo formato (pelo menos não em grande tiragem e que pudesse gerar um fácil acesso à mesma), característica que o transforma em um trabalho de difícil acesso, ainda mais para aqueles espectadores que já não suportam mais os chiados e tremidas clássicas de uma VHS. Entretanto, VHS ou não, esqueça por alguns momentos a Branca de Neve de sua infância e se coloque em um conto de mesma estrutura, porém com uma roupagem totalmente diferente. 


(Snow White: A Tale Of Terror de Michael Cohn, EUA - 1997)


NOTA: 7,5

segunda-feira, 26 de março de 2012

SENTIDOS DO AMOR


Para nossa sorte, nem só de cinema (espaço físico) vive o mundo da sétima arte. Cada vez mais, devido ao advento do cinema barulho e comercial, grandes filmes passam longe dos cinemas e repousam nas locadoras e lojas de DVD´s de forma desconhecida, sem pôsteres e em prateleiras nos fundos. Cada vez mais, você, que se julga um verdadeiro fã de cinema, deve bisbilhotar estas prateleiras, pois em alguns momentos cai em suas mãos uma obra como este Sentidos do Amor.

Ignore o título em português que tenta resumir o filme a um romance de Nicholas Sparks e se coloque na presença de uma inebriante obra, que consegue ser um romance, ser um belo filme, sem ser piegas e sem se esbaldar em clichês pré-determinados, infundados e que não enganam mais ninguém. Sentidos do Amor, do diretor escocês David Mackenzie, se utiliza de um mundo pré-apolíptico que vai se “apocaliptizando” ao longo da fita como um pano de fundo para o romance entre um chef (interpretado de forma intensa por Ewan McGregor) e uma epidemiologista (interpretada de forma igualmente forte por Eva Green). O mais interessante é o modo como o diretor desenvolve o romance e o coloca à prova dos acontecimentos ao redor do casal. Conforme o mundo vai desmoronando, o romance se enraíza, ultrapassando o simples amor romântico e se tornando praticamente um escape para toda a tragédia que os envolve no que toca ao restante de suas vidas.

O romance se desenvolve em meio a uma epidemia, que após acessos extremos de um determinado tipo de emoção (dor, raiva entre outros) gera a perda de um dos sentidos do ser humano, algo que inicia com o olfato, vai para o paladar e segue seu curso, sem qualquer vislumbre de cura ou de explicação para tudo aquilo. A grande sacada de Sentidos do Amor é não cair no caminho mais fácil de “embelezar” uma tragédia, somente pelo fato de a mesma propiciar (ou conviver com) a existência de um grande amor. Mesmo nos momentos mais belos do romance entre os dois, o clima da fita é sombrio, drástico e extremamente soturno, resultado de uma fotografia acinzentada, lúgubre e que parece expelir fuligem ao longo de toda a fita. A trilha sonora é precisa, e o roteiro consegue escapar (outro grande mérito) de momentos “songs of love” carregados e que tentam forçar um grande amor. Mackenzie acerta a mão, nos brinda com enquadramentos e cenas maravilhosas (com destaque para a união do casal, na imagem que estampa o pôster do filme no início deste texto) e constrói tanto um romance quanto uma catástrofe que segue seu curso de força extremamente natural, triste, porém natural, de tal forma, que no momento em que amor entre os protagonistas se torna o centro, você aceita e torce por isto, tamanha a simpatia que se adquire pelo amor do casal, mediante à tristeza do restante. Se um grande romance é aquele em que torcemos pelo casal principal, os momentos finais da fita corroboram a ideia e te fazem sentir o impacto deste surpreendente filme.

Da mesma forma que outros filmes que, por mais que tenham diferenças, seguem a mesma linha de tendência, como Ensaio Sobre a Cegueira, A Estrada e Não Me Abandone Jamais, o pessimismo e a dureza do filme podem não agradar muitas pessoas, pois a esperança aparece em pequenos detalhes, sendo que estes muitas vezes se mostram pouco seguros, contudo, é inegável o tom de qualidade, de audácia e de originalidade deste ótimo filme, que não estreou nos cinemas brasileiros e que corre o risco de nunca receber o reconhecimento que merece. Enquanto Crepúsculos e comédias estúpidas banalizam o amor e enchem de besteira a cabeça daqueles que vão ao cinema, Sentidos do Amor passa despercebido, chegando apenas às mãos daqueles que buscam um pouco mais no cinema do que mero entretenimento. Em resumo, se você ainda não sabe o que assistir no próximo fim de semana, ou no seu próximo fim de noite, aceite minha dica e capte toda a beleza desta incrível obra. Imperdível.


(Perfect Sense de David Mackenzie, Alemanha/Dinamarca/Reino Unido/Suécia - 2011)



NOTA: 9,0

segunda-feira, 19 de março de 2012

AS VÁRIAS FACES DE GARY OLDMAN

Inicio com este grande ator minha intenção de ampliar os horizontes do blog para além dos filmes apenas:



1 - LUDWIG VAN BEETHOVEN (MINHA AMADA IMORTAL - 1994)


2 - CONDE DRÁCULA (DRÁCULA DE BRAM STOKER - 1992)


3- COMISSÁRIO JIM GORDON (BATMAN BEGINS - 2005, BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS - 2008, BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE - 2012) 


4 - SIRIUS BLACK (SAGA HARRY POTTER - 2004, 2005, 2007, 2011)


5 - GEORGE SMILEY (O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS - 2011)

quinta-feira, 15 de março de 2012

OS INOCENTES


Um dos grandes clássicos do terror e do suspense de todos os tempos, Os Inocentes é uma obra de peculiaridades claras, que consegue como poucos filmes dosar tensão e sustos, sem perder seu elemento clássico, além de conseguir fazer tudo isso sem descambar para maneirismos ou situações absurdas que poderiam ser utilizadas (e neste tipo de filme muitas vezes são) para amarrar e resolver o enredo de forma mais rápida, porém normalmente mais falha.

Os Inocentes conta a história de uma governanta recém-contratada para cuidar de duas crianças na casa de campo onde elas vivem. A partir de tal ponto, a governanta começa a perceber eventos estranhos na casa, o que a faz, muito mais que colocar em cheque a sobrenaturalidade destes fatos, começar a questionar a aparência e as atitudes angelicais e dóceis das crianças.

Os Inocentes é um filme único, pelo fato de trilhar por caminhos muito diferentes do que a maioria das fitas de seu gênero. A personagem de Deborah Kerr, ou seja, a governanta, ao começar perceber a presença de fenômenos sobrenaturais na casa, não apela para resoluções mirabolantes ou correrias desenfreadas para que de repente uma pista salte à sua frente para lhe criar uma visão epifânica. Por mais que elementos deste tipo até se apresentem, eles acontecem em uma escala tão baixa e tão coadjuvante que nem fixam raízes, dando espaço para uma resolução mais centrada, mais pautada nas desconfianças da personagem do que propriamente em pudores ou moralismos. Colocar as crianças como elementos de presença dos fantasmas, e associá-los a maldade é algo pouco visto atualmente, muito devido ao elemento hipócrita politicamente correto de nossa sociedade atual. Aqui a coisa é diferente, e a governanta não desvia suas desconfianças das crianças e as associa a maldade sem qualquer tipo de freio ou ficcionismo.

Falando do filme em si, Os Inocentes não tem estrutura de terror/ação, mas sim de terror/drama, ou seja, não possui aquele clima desenfreado onde sustos pululam de todos os lugares sem qualquer compostura, mas sim aquele clima mais ameno, onde o suspense e o terror vão se desenvolvendo com o tempo para alcançar seu clímax a longo prazo. O resultado disto é um filme que em seu início é bem tranqüilo, mas que após algum tempo gera uma tensão no espectador que ultrapassa a existência de sustos. Filmes onde os sustos são mais dispersos ao longo do roteiro funcionam melhor, pois o espectador não sabe muito bem onde e quando eles acontecerão. A tensão é tão grande que você termina o filme meio perdido, efeito que ainda se alonga por algum tempo após o término da fita. Tal ressalva feita, que fique claro outro aspecto: com os poucos sustos que o filme tem, ele consegue simplesmente gelar a espinha do espectador (poucas vezes passei tanto pavor na frente de um filme quanto na cena em que o menino Miles está de costas para uma janela e um vulto aparece atrás da mesma dando risadas).

A direção é precisa, o elenco é ótimo e a direção de arte brilhante, unida a uma fotografia estupenda, onde as sombras são utilizadas de maneira assombrosa (com o perdão do trocadilho) para ajudar na criação do penumbroso clima que percorre toda a fita. A lamentar, apenas a dificuldade de acesso ao filme atualmente. Fora de catálogo no Brasil há bastante tempo, depende-se de boas almas que disponibilizem o filme, elemento que o encarece bastante, justamente, diga-se de passagem devido a seu caráter de raridade. Devido a isso, por exemplo, levei um bom tempo para ter acesso a esta grande obra.

Lamentos deixados de lado, Os Inocentes é com certeza um filme que deve ser visto por qualquer fã de cinema, independente de peculiaridades genéricas de gosto, pois o filme é muito mais que um mero suspense ou filme de horror, é uma grande obra feita pelo cinema, que potencializa características e técnicas que ultrapassam as limitações de seu gênero. Imperdível.


(The Innocents de Jack Clayton, Inglaterra - 1961)


NOTA: 9,0

terça-feira, 13 de março de 2012

CASSINO


Uma das mais aclamadas obras do mestre Scorsese é uma descida aos abismos do mundo pobre e desregrado não só da famosa Las Vegas, mas de todo o circuito envolvido em um mundo muito mais profundo que meras jogatinas e promiscuidades.

Cassino acompanha o desenrolar, o enrolar, o desenrolar e o enrolar de novo e assim sucessivamente de personagens envolvidos em tal meio, explorando suas idiossincrasias e exemplificando com formulações diferentes de cada um dos personagens, quais são os tipos de seres aos quais se transformam àqueles totalmente embrenhados deste âmbito e tudo aquilo que o mesmo pode proporcionar. Assim sendo, encontramos chefões de jogos e máfias, prostitutas, cafetões, simples apostadores, corruptos e por aí vai, todos eles analisados e apresentados com as características estéticas scorsesistas da potencial capacidade bestial do homem.

Scorsese consegue como ninguém, buscar e expor a capacidade que o homem tem de se tornar simplesmente uma besta, e explora tais elementos com uma inteligência única, se apoiando em elementos de temática violenta, porém que nunca se afastam de um forte realismo, por mais que em alguns momentos este realismo seja um pouco exagero. A câmera de Scorsese é sempre muito bem centrada e o desenvolvimento do roteiro é brilhante, por mais que demore alguns minutos acima do recomendável para funcionar. Além disso, estão presentes aqui o exótico gosto de Scorsese por figurinos exagerados e aquela perturbadora fotografia em tons avermelhados que parece nos impulsionar para dentro do ambiente do Cassino mesmo quando lutamos contra tal força.

Mesmo com seu habitual talento para dirigir e contar histórias de tal envergadura, nada funcionaria tão bem quanto funciona se não fosse o ótimo elenco. Robert DeNiro deve toda sua carreira a Scorsese, e aqui está novamente ótimo nas mãos do diretor. Sharon Stone nos mostra a melhor atuação de sua carreira em um papel difícil, porém feito com muita vontade, todavia o destaque maior vai para Joe Pesci, outro que cresce nas mãos de Scorsese, que nos brinda com uma atuação fenomenal e cheia de entusiasmo.

Cassino não é o melhor filme de Scorsese, mas desde sempre circulou entre os grandes, algo mais que merecido. Como filme propriamente dito já é um gigante, agora, como estudo do comportamento e da formalização humana, Cassino é mais uma obra-prima deste gênio do cinema chamado Martin Scorsese. Imperdível.


(Casino de Martin Scorsese, EUA/França - 1995)


NOTA: 8,5

terça-feira, 6 de março de 2012

NAPOLEON DYNAMITE


Tentar rotular ou simplesmente encaixar Napoleon Dynamite em padrões comuns do cinema é uma tarefa no mínimo dura e criteriosa. A originalmente comédia de Jared Hess acompanha a vida de Napoleon, um estudante do meio-oeste americano preso em um mundo de certo modo geek e que não consegue se relacionar em nada, mais absolutamente nada fora disso, melhor dizendo, sua dificuldade de relacionamento de transpõe até mesmo a membros daquilo que seria o seu meio, porém com algumas diferenças; em resumo, um jovem extremamente excêntrico e preso em si mesmo e em seu mundo particular. As coisas mudam um pouco, quando ele conhece Pedro, um clássico adolescente mexicano que migrou para os EUA. Clássico tanto na maneira, quanto no perfil que o filme dá ao personagem.

Em primeiro momento, Napoleon Dynamite parece uma comédia de adolescente de jargões comuns e pouco inventividade; contudo ao longo da fita o negócio descamba para um estilo muito diferente, que pode causar estranheza em muita gente, porém inegavelmente original. Com toques de drama, e poucas cenas realmente engraçadas (a melhor delas é com certeza quando Napoleon se apresenta para a campanha de seu amigo Pedro para presidente dos estudantes), Napoleon Dynamite apóia-se muita mais na ideia de ser diferente do que necessariamente ser engraçado, e o resultado final depende da inserção do espectador neste movimento do filme. Em outras palavras, muito mais que gostar de comédia, para gostar de Napoleon Dynamite você deve gostar de comédias excêntricas, que misture humor negro, muitas vezes sutil, toques de escatologia e abra mão, em sua grande parte, daquele humor explícito e vulgar da maioria das comédias atuais deste gênero.

A direção de Hess também é diferente para este tipo de filme. Ele usa muita mais elementos de road movie do que de comédia. A fita é repleta de planos vazios, e a câmera de Hess normalmente fica estática esperando as ações dos personagens passarem por ela. Se no roteiro a inovação de Hess ajuda a fita, na direção nem tanto. O filme perde agilidade, o que para uma comédia é algo ruim, e temos uma fita muitas vezes lenta e de pouca explosão, algo que faz com que seus curtos 82 minutos pareçam bem mais tempo.

As atuações são ótimas e constroem os estereótipos (claramente proposital) de forma impressionantemente precisa, além de um intrigante trabalho de direção de arte, maquiagem e figurino de incrível mau gosto (também proposital). A trilha sonora em alguns momentos muito dura, faz seu papel, mas também colabora para o elemento road movie do filme.Além disso, tenho outra colocação: eu entendo que o fato de o filme se passar em Idaho merece tal aspecto, mas minha pergunta é se a fita precisava potencializar tanto o aspecto caipira da região, por assim dizer, algo que às vezes me soa um pouco exagerado demais (pois exagerado o filme já é por si só).

No final das contas, Napoleon Dynamite é um filme interessante, original e com boas sacadas, todavia, confesso que, devido a algumas opiniões que já ouvi sobre o mesmo eu esperava um pouco mais. É bom, porém nada fora de série como muitos dizem por aí.


(Napoleon Dynamite de Jared Hess, EUA - 2004)


NOTA: 6,5