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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

RUSH - NO LIMITE DA EMOÇÃO


A F-1 ou o automobilismo em geral nunca foram temas de grande inspiração para os diretores e produtores da sétima arte. Eu até gosto de Grand Prix e admito a excelência técnica do mesmo, mas com certeza faltava aquele algo a mais. O algo a mais que poderia atrair para um filme sobre F-1 aquele que não é um amante assíduo do esporte. Aquele algo a mais que conseguiria mostrar ao espectador leigo que a F-1 é muito mais do que um simples “conjunto de carros que ficam dando voltas sem parar pelo mesmo lugar”. Eis então que surge Rush e consegue tal façanha com louvor.

A rivalidade entre James Hunt e Niki Lauda sempre foi uma das mais presentes e fortes em toda a história da F-1 e com certeza, a temporada de 1976 foi o auge desta rivalidade. Não sou um saudosista quando se trata de F-1, não obstante, ainda acompanho todas as corridas de todas as temporadas com muito entusiasmo. Gosto da era “romântica” tanto quanto da atual, e devido a minha idade, entendo bem mais da segunda do que da primeira. Contudo, é impossível não aceitar a ideia de que em 1976 o risco do esporte era muito maior do que em 2013, fazendo com que tudo fosse um pouco mais cru e um pouco mais assustador.

O diretor Ron Howard, que é capaz de grandes filmes como Uma Mente Brilahnte; Frost/Nixon; Apollo 13 e ao mesmo tempo capaz de bombas como Anjos e Demônios faz um trabalho incrível aqui, sempre acompanhado pelo aguçado roteiro de Peter Morgan. As cenas de corridas são incríveis e Howard se utiliza de uma câmera baixa para garantir toda a emoção possível ao espectador através de imagens aproximadas e o som característico dos motores dos carros. Em alguns momentos, Howard dramatiza demais e abusa de tomadas mais longas, mas nada que prejudique o trabalho final. Ao apostar em dividir a tela entre dois pilotos, unidos por uma paixão, separados por concepções de caráter e de conduta e marcados por uma época, Howard consegue equilibrar os momentos dentro da pista com a vida dos dois fora das pistas, e conjugar corretamente os reflexos causados mutuamente e reciprocamente por todos estes elementos. Hunt e Lauda foram grandes por tudo aquilo que os envolvia, e a rivalidade entre os dois só foi o que foi devido ao choque destas duas grandezas. Captar, aceitar e respeitar isto, sem tomar partido em nenhum momento ao longo da fita, foi com certeza o grande mérito de Howard.

O elenco foi escolhido de forma muito interessante. Chris Hemsworth é praticamente uma versão atual de James Hunt, tanto fisicamente, quanto no seu jeito canastrão; o que facilitou o bom desempenho do ator conhecido por seu trabalho em Thor. Todavia, o destaque mesmo vai para Daniel Brühl. O ator hispano-germânico conhecido por seu trabalho em Bastardos Inglórios e o sensacional Adeus, Lênin encarna de forma perfeita o vivo Niki Lauda, reproduzindo seus trejeitos, suas manias, seu sotaque e até a entonação de voz.

Por mais incrível que possa parecer, Rush é um filme vibrante, impressionante e que consegue transitar muito bem na tênue linha que separa o público leigo e os amantes de F-1, agradando assim a gregos e troianos. O exemplo claro disso é que fui ao cinema acompanhado de minha esposa, que inversa a mim, não possui nenhum apreço pelo esporte, mas saiu igualmente entusiasmada com o filme. Howard parece ter criado aqui, um daqueles filmes que se tornarão padrão para os possíveis filmes vindouros sobre a categoria, o que é muito bom afinal Rush é um grande filme para todos os públicos e para os amantes da F-1 é o que há de melhor até o momento. Para aqueles, que assim como eu, alimentam uma grande paixão tanto pelo cinema quanto pela F-1, Rush é um exercício de êxtase e até o momento o melhor representante já produzido por esta união. A orfandade acabou.


(Rush de Ron Howard, EUA/Alemanha/Reino Unido - 2013)



NOTA: 9,5

domingo, 25 de agosto de 2013

UM GOLPE PERFEITO


Um forte elenco, com roteiro clássico de filmes de golpes e com a envergadura da assinatura dos irmãos Coen, Um Golpe Perfeito tenta se sustentar com base em elementos básicos da comédia de cunho mais “inglesa” (mesmo sendo um filme de nacionalidade americana), ou seja, piadas de duplo sentido que transitam entre o sutil e o explícito, maneirismos pessoais e construídos na base dos atores, bordões formatados através de temas mais cultos (no caso aqui, o mundo dos compradores e colecionadores de arte), e lógico que não poderia faltar também aquele dose fatal de crítica a alguma parte dos EUA (no caso aqui o Texas).

O filme é dirigido por Michael Hoffman, diretor instável e dono de vários filmes “legaizinhos”, entre eles, podemos citar O Outro Lado da Nobreza, Sonhos de uma Noite de Verão, O Clube do Imperador e o recente A Última Estação. Hoffman tem dificuldades com o andamento do filme em alguns momentos e acaba se jogando em situações um pouco exageradas, algo que se potencializa com o roteiro cheio de excentricidades dos Coen.

Os personagens são extremamente caricaturais, o que pode irritar algumas pessoas em alguns momentos (a personagem de Cameron Diaz em alguns momentos só falta mugir para encarnar o aspecto texano exagerado de sua personagem) e Hoffman desaba suas tomadas rápidas em cima destas caricaturas. Já vi Colin Firth e Alan Rickman fazerem personagens parecidos com mais elegância e classe, mas é inegável que ambos seguram as pontas de forma muito precisa, com a competência que sempre se espera de atores do quilate de ambos.

Intercalando cenas muito engraçadas (como as de Colin Firth na recepção ou pulando nos quartos do hotel Savoy) com momentos não tão inspiradores (como a abordagem clichê à personagem de Cameron Diaz), Um golpe perfeito se coloca como mais um instável trabalho na carreira de Hoffman. Vale uma conferida pelo elenco, pela acidez habitual das comedias "inglesas" que se mostra presente e pelo interessante desfecho que conseguiu fugir de um final que se desenhava claramente preguiçoso.


(Gambit de Michael Hoffman, EUA - 2012)


NOTA: 6,0

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A PARTE DOS ANJOS

      
Quando soube no ano passado do lançamento de A Parte dos Anjos, o novo filme de Ken Loach, fiquei bem animado, afinal minha admiração pelo cinema do diretor é muito grande e a cada novo filme seu já brota em mim aquela curiosidade característica dos cinéfilos. Minha animação só aumentou quando A Parte dos Anjos venceu o Prêmio do Júri do Festival de Cannes no ano passado, contudo tal animação vinha sempre carregada por uma tristeza latente: a de que dificilmente eu conseguiria ter acesso ao filme pelas telas do cinema e até mesmo em DVD. Todavia, coisas estranhas acontecem, e com uma surpresa enorme, descobri que a nova aventura de Ken Loach estrearia em uma sala de um dos cinemas londrinenses (isso há algum tempo atrás). Assim sendo, não perdi a chance e me dirigi ao local gerador de minha surpresa.

Surpresa esta que não existiu ao longo dos pouco mais de noventa minutos da obra à qual dediquei este meu tempo. Conhecido por seu engajamento esquerdista e por suas críticas a um enquadramento social desigual e que gera desfavorecimentos de algumas classes em detrimento de outras, o cineasta britânico se utiliza de uma sombria Glasgow para contar a história de Robbie, um “jovem delinqüente” que é condenado a cumprir trezentas horas de trabalhos comunitários. Neste trabalho ele conhece Harry, um apreciador de uísques que presta auxílio ao garoto e o faz descobrir um talento natural para a percepção desta nobre e apreciada bebida. A partir deste ideia o filme se desdobra em uma leve comédia social com toques dramáticos.

Qualquer pessoa que tenha tido contato com a obra de Loach, perceberá que em A Parte dos Anjos  o diretor aposta mais no humor do que no drama engajado propriamente dito, algo já visto de forma bem mais sutil em À Procura de Eric. Porém, neste último, o elemento dramático ainda permanece e o humor aparece como refúgio dos personagens. Em A Parte dos Anjos o humor é mais central e se apóia nos dramas dos personagens para se firmar. Jamais imaginei que soltaria grandes risadas em um filme de Ken Loach, mas é o que acontece aqui (principalmente com o personagem Albert, o abobalhado e atrapalhado amigo de Robbie). O humor é preciso, e consegue se colocar por sua própria força, além de não atrapalhar a mensagem “oculta” que o filme carrega, ou seja, a de uma juventude forçada e coisas “ruins” por uma sociedade injusta, desigual e hipócrita. O engajamento social, econômico e cultural e sua necessária crítica continuam presentes aqui, só que ao invés de mostrado de forma dramática como normalmente faz, Loach opta por um humor correto e pouco comum em seus filmes, mas que funciona muito bem. Para um cineasta com quase 50 anos de carreira, conseguir alterar a forma sem mudar o conteúdo é quase uma proeza, ainda mais em um mundo preguiçoso como o de hoje.


A Parte dos Anjos pode até não ter causado em mim uma reação tão grande quanto os meus filmes favoritos do diretor (Kes, Meu Nome é Joe e o brilhante Ventos da Liberdade), mas já se mostra como um dos meus filmes favoritos de 2013. Imperdível.


(The Angel´s Share de Ken Loach, Reino Unido/França/Bélgica/Itália - 2013)


NOTA: 9,0