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terça-feira, 19 de junho de 2012

CORIOLANO



Estréia de Ralph Fiennes na cadeira de direção, Coriolano adapta e transporta para a atualidade mais uma obra de Shakespeare. Assim como o desafio de se fazer tal ruptura não é algo novo, os problemas e os acertos de tal audácia continuam também os mesmos.

Assim como Baz Luhrmann em seu ótimo Romeu + Julieta e Michael Almereyda  em seu não tão ótimo Hamlet – Vingança e Tragédia, Fiennes opta por manter a linguagem clássica e erudita de Shakespeare, algo que já de início choca, ainda mais aqui, onde as cenas iniciais são de guerra constante. Esta manutenção da linguagem erudita, por mais que agrade pessoas de ouvidos abertos às nuances e belezas da língua, atrapalha na assimilação da ideia geral e do contexto mais coloquial devido ao excesso de metáforas e elementos poéticos, em outras palavras, como não estamos diante de um filme de época, onde o espectador já espera tal erudição lingüística, o negócio soa meio artificial e deslocado. No filme de Luhrmann acima citado, o aspecto romântico da fita segura esta artificialidade em baixa devido à poesia do próprio romance. Já no caso de Almereyda, a artificialidade é mais evidente, porém disfarçada também pela majestoso ambiente que a melhor peça de Shakespeare propõe. Todavia, Fiennes se vê de encontro com uma história totalmente trágica, com elementos políticos e diplomáticos que funcionavam na Roma Antiga, mas que atualmente não funcionam mais.

Banimento da cidade, patrícios, plebeus não condizem com o meio atual e deixa o espectador meio desconfortável quanto ao real sentido de tudo aquilo. O desenrolar é simples, e em alguns momentos as coisas se resolvem muito fáceis, enquanto que em outros o negócio rasteja. O início é muito lento e tedioso, e provoca uma correria no final, onde muitas coisas são atropeladas. Fiennes acaba perdendo um pouco a mão neste sentido, e não consegue um bom equilíbrio do enredo, onde temos um início extremamente maçante, uma meio empolgante e forte e um final corrido e com desfecho mal trabalhado.

Tirando estes elementos, e o fato de o filme se perder um pouco nos “romanismos” que a peça possui, Coriolano caminha até bem. Fiennes tem uma atuação incrível como Caio Márcio e Vanessa Redgrave encarna com muita força a mãe do personagem central. Mesmo Gerard Butler cuja qualidade da atuação nunca supera seu carisma é conduzido de maneira segura por Fiennes. Por sua vez, Jessica Chastain, o novo arroz de festa do cinema, está um pouco apagada em um papel de pouca relevância como a esposa devota do General Caio Márcio.

O trabalho é ousado e Fiennes pagou um pouco pela ousadia. Talvez um diretor mais experiente conduzisse melhor tal obra, entretanto, o início é sempre complicado, e Fiennes parece ter talento para a nova função que se propôs a assumir. Seu trabalho no final das contas é caracterizado por uma boa direção dos atores, mas por uma má distribuição do roteiro e por problemas de andamento. Logicamente, o ator que já nos propiciou grandes atuações em A Lista de Schindler, O Morro dos Ventos Uivantes, o Paciente Inglês e é conhecido do grande público por ter encarnado o maléfico Lorde Voldemort na saga Harry Potter terá muito a evoluir na função de diretor, contudo, parece ter talento e perspicácia, algo que nos leva a acreditar que no futuro filmes melhore virão. Coriolano não chega a ser um filme ruim, mas falta um algo a mais para elevá-lo às categorias áureas do cinema, e é exatamente este algo a mais que Fiennes terá que aprender.


(Coriolanus de Ralph Fiennes, Inglaterra - 2011)


NOTA: 5,5

sábado, 16 de junho de 2012

A FRONTEIRA



Produção franco-suíça, A Fronteira é um dos mais famosos representantes do cinema de horror moderno europeu, e sendo assim, faz parte desta tentativa do velho continente em retomar e, de certo modo, se tornar um potência neste gênero tão apreciado, mas que sempre foi um pouco esquecido por várias escolas européias. 

Partindo de um argumento não muito original, mas que ainda funciona, A Fronteira mistura sustos, com cenas fortes, extrema sanguinolência e opta pela bestialidade humana ao invés do elemento sobrenatural. Assim, elementos clássicos do terror não-sobrenatural como endogamia, canibalismo, mortes violentas, deformações, sadismo entre outros; percorrem os pouco mais de noventa minutos deste trabalho.

Um grupo de amigos parte da França em direção à Holanda para ajudar uma amiga a realizar um aborto, contudo se tornam prisioneiros de uma família de neonazistas canibais. Em primeiro ponto, o argumento parece simples, contudo, em meio a este aspecto central, existem várias histórias paralelas que funcionam em algumas partes (a rincha entre os familiares nazistas ajuda no clima de brutalidade) e prejudicam a fita em outras (o romancizinho entre os personagens centrais poderia ter sido evitado).

O filme é escrito e dirigido pelo francês Xavier Gens e acredito que é exatamente que residem todas as qualidades e, principalmente, os problemas do filme. Gens é um péssimo diretor de cenas de ação. Em alguns momentos o filme possui perseguição e tiroteio e chega a ser impressionante a falta de tato do diretor nestas cenas. Ele opta por vários cortes e uma câmera incessantemente trêmula que prejudicam demais a compreensão e o acompanhamento das cenas por parte do espectador. Por outro lado, em momentos mais calmos, ele consegue encaixar bons enquadramentos e dirige os atores de forma, no que é possível devido ao talento dos mesmos, até precisa.

Contudo, uma direção inconstante não é o ponto mais fraco do filme. Como eu já disse, o argumento é bom, o desenvolvimento é correto e o desfecho interessante, todavia a sensação de covardia do roteiro é inevitável. As cenas de tortura e de terror propriamente ditas são superficiais e passam a sensação de que Gens pretende eliminar um pouco o elemento explícito do filme para angariar um público não tão acostumado a tanta brutalidade. Com uma oportunidade dessas, Gens poderia ter ido muito mais além, e transformado A Fronteira em um filme muito mais visceral e poderoso algo que o diretor em questão optou por trocar por uma maior acessibilidade de sua obra.

Por mais que A Fronteira se mostre instável e covarde em alguns pontos, no final das contas o filme se sai bem e não coloca o espectador diante daquela sensação de tempo perdido. Eu confesso que esperava um pouco mais, contudo não chegou a ser decepcionante.


(Frontière(s) de Xavier Gens, França/Suíça - 2007)


NOTA: 6,5

segunda-feira, 4 de junho de 2012

JULGAMENTO EM NUREMBERG



Baseado nos julgamentos reais de colaboradores do nazismo ocorridos em Nuremberg na Alemanha poucos anos após o término da Segundo Guerra Mundial em 1945, este drama de tribunal do grande Stanley Kramer consegue com grandes méritos, não apenas reproduzir o clima dos tribunais de guerra, mas vai além e desenvolve válidos debates acerca de temas como a autonomia da nação sobre a lei, a soberania da mesma, a própria lei em si, além de adentrar em elementos complexos e que perpassam a humanidade até hoje; afinal apenas a Alemanha e seu povo são responsáveis por Hitler? Quanto o povo alemão sabia sobre as atrocidades praticadas pelo partido nacional-socialismo e o quanto devemos culpá-los de forma geral?

O roteiro do filme acerta em apenas apresentar as hipóteses acima colocadas, fazendo no máximo conjecturas acerca das mesmas nas figuras do advogado de defesa e da promotoria, contudo, nunca se verifica um como mais correto do que o outro, perpetrando com que tais questões apenas continuem pululando na mente das pessoas, levando-as às suas próprias decisões sobre o complexo e polêmico tema. Mesmo a decisão final em torno dos réus, não implica em uma tomada de posição, pois o roteiro e Kramer fazem questão de deixar bem claro que estamos diante de um julgamento de casuística e não de generalidade do nazismo na Alemanha.

Prato cheio para os estudantes de direito (os interessados e não essa patifaria que assombra os estudantes de direito atuais em sua maioria), os debates ocorridos ao longo dos quase 180 minutos de duração da fita são soberbos e cheios de passagens clássicas, além disso, Kramer é extremamente feliz no tempo dos diálogos e no modo como intercala momentos mais leves, de cafés e bebidas com os pesados momentos de debate e de oratória proveniente dos julgamentos.

Contudo a terceira haste do clássico tripé direção-roteiro-atuação também funciona muito bem, algo essencial em um filme fechado, que não possui nenhum outro elemento de impacto além do modo como o elenco assume as passagens e os insere em suas interpretações. Burt Lancaster incorpora de forma impressionante a culpa e tristeza do magistrado réu Ernst Janning. Judy Garland e Montgomery Clift e Judy Garland colaboram com o status de coadjuvantes de luxo. Maximilian Schell rouba a cena e enche a tela de emoção em seus discursos imponentes na defesa dos réus nazistas enquanto Spencer Tracy mostra novamente a união fina entre força e carisma em uma atuação que exige um tipo especial de talento que somente os grandes atores como Tracy possuem. Por mais que eu ainda prefira sua atuação em O Vento Será Tua Herança, colaboração anterior de Tracy com o diretor Kramer é impossível negar a grandeza da atuação do veterano ator.

Um grande filme e que consegue ecoar sua grandeza por vários âmbitos da especulação e do conhecimento, seja ele cinematográfico, histórico, ético ou do direito, isto para nos mantermos apenas nos mais explícitos. Muito mais que um filme de tribunal, a obra de Kramer é um clássico, exatamente por ter conseguido, sem se tornar ideológico ou partidário, elencar quase que de forma geral as complexidades de um processo histórico como o de Nuremberg. Nas mãos de alguém descuidado, um filme como este poderia se tornar um grande desastre; felizmente o homem da câmera era Kramer e este perigo não chegou nem a rondar os sets de filmagem.


(Judgement at Nuremberg de Stanley Kramer, EUA - 1961)



NOTA: 8,5