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quarta-feira, 23 de maio de 2012

MÁRTIRES



Esforcei-me muito para encontrar este filme de grande fama entre os fãs de cinema de meios mais alternativos e obscuros. Todo este esforço, pensava eu, deveria ser recompensado com um grande filme de horror, algo difícil de imaginar quando verificamos que na verdade Mártires é uma produção francesa, o que por si só, e baseado na história do cinema deste país, parece caracterizar uma contradição embutida. Contudo, a verdade é que após os pouco mais de 90 minutos da fita, esquecemos a questão da nacionalidade e passamos a entender de forma bem clara o motivo de tanta fama e de tanta admiração, já que Mártires é um dos grandes momentos do cinema de horror dos anos 2000.

O cinema europeu nunca foi um grande produtor de filmes de terror (com exceção da Itália, claro), porém, com a grande crise do gênero dos EUA, os europeus resolveram se aventurar por este meio, e alguns conseguem grandes resultados como o espanhol [REC] e este filme aqui, que se utiliza de elementos de tortura e sadismo, porém sem aquele elemento de pura violência de filmes como O Alberque, Os Estranhos ou Violência Gratuita. Em Mártires, muito mais que o simples torturar por prazer, existe um conceito, uma ideia que é utilizada como pretexto e como defesa para tais torturas. Não entrarei em pormenores da discussão sobre a validade e a percepção da ideia que norteia tais procedimentos, pois de tal maneira poderia revelar detalhes do filme que chateariam pessoas com a intenção de assisti-lo, todavia posso afirmar que a ideia é interessante e muito bem colocada, mesmo que em alguns momentos se torne pouco explicada e em outros um pouco acelerada para dar lugar a cenas mais brutas e viscerais.

Mártires possui qualidades raras em filmes de terror. O elenco está muito bem, responde em igual qualidade tanto nas cenas de terror quanto nas cenas com exigência de maior dramaticidade. O arco argumentativo do filme é ótimo e muito bem trabalhado, assim como a intercalação entre passado e presente e as representações alucinógenas dos personagens. Além disso, a brutalidade do filme se dá com pouca escatologia e com muita precisão, utilizando-se muito pouco de elementos de cunho mais gore e focando-se em uma mistura muito bem dosada de terror psicológico e terror físico. O diretor Pascal Laugier consegue desenvolver o argumento de uma forma muito correta, e sua mão pesada é essencial para o clima de sofrimento e de dor constante que o filme tem necessidade de mostrar. Nas cenas finais, ou seja, momentos das revelações chaves da fita, o clima é extremamente perturbador, e a situação da torturada é arrepiante, porém o filme não perde o foco, e continua em sua linha de necessidade deste elemento para o cumprimento de seu objetivo. Muito mais que torturar o espectador, Pascal Laugier consegue impor reflexões sobre as obsessões humanas e os limites práticos de suas buscas. Muito mais que teoria, Mártires mostra o ser humano não se contentando a especulações metafísicas e teológicas e o revela em tentativas práticas de elementos especulativos em sua essência.

Se Mártires possui um defeito, este com certeza é seu trabalho de maquiagem, que em alguns momentos se mostra extremamente falho, tirando toda e qualquer realidade da cena, e a transformando em algo incomodamente superficial, entretanto, optei por ignorar tal aspecto, por se tratar de um filme independente, de baixo orçamento, e que possui preocupações (sendo estas bem desenvolvidas) muito maiores e mais importantes.

Mártires não foi lançado no Brasil, o que dificulta o acesso dos fãs locais ao mesmo, contudo o remake americano (é claro que isto iria acontecer) deve aparecer por aqui para deturpar a obra original e torná-la bem menos potente e interessante, de tal forma, que fica aqui a minha dica: antes de ser infectado pela versão estadunidense, procure na internet ou com colecionadores a versão original e se surpreenda com um grande filme, que consegue superar os sustos baratos e as histórias estúpidas que normalmente caracterizam os filmes do gênero atualmente. Imperdível.


(Martyrs de Pascal Laugier, Canadá/França - 2008)



NOTA: 9,0

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