Werner Herzog é, ainda hoje, um dos grandes diretores que o
cinema produziu. Dono de um estilo único, que mistura brutalidade com elementos
poéticos para realizar grandes análises da natureza humana, o diretor alemão já
nos presenteou com clássicos como Fitzcarraldo, O Enigma de Kaspar Hauser e o
meu favorito, o estupendo Aguirre, a Cólera dos Deuses, todavia, Coração de
Cristal é com certeza, entre os filmes do diretor que eu tive a oportunidade de
assistir, o mais emblemático e o mais experimental trabalho de sua carreira.
O filme é extremamente simbólico e cheio de diálogos
magistrais, que possuem em seu cerne, tanto elementos do teatro clássico quanto
elementos poéticos de altíssimo nível. A fotografia é bárbara e a condução de
câmera por parte de Herzog é algo para ser analisado em uma escala diferente. O
diretor realiza inúmeros movimentos ao longo do filme, o que o torna um
trabalho extremamente imprevisível. Herzog inverte planos, expande e retrai os
mesmos ao seu bel-prazer, mas nunca de forma arbitrária, coloca a câmera em sua
mão quando julga necessário e até verticaliza alguns planos, tudo com um toque
clássico de alguém que realmente sabe o resultado que quer adquirir. Um exemplo
claro dessa grandiosidade é a sequência final, que se passa em uma ilha e que
dura alguns minutos, em que Herzog dá uma aula de direção e com ângulos e
movimentos ousados cria planos maravilhosos e cenas inesquecíveis.
Apesar de possuir uma linearidade, Coração de Cristal possui
vários fragmentos em sua execução, fragmentos estes que, por mais que possuam
relação com o todo, se auto explicam através de aspectos existenciais e teses
elaboradas em tons proféticos, materializando-se na pessoa do “vidente” Hias,
responsável pela maioria dos grandes diálogos que o filme possui.
A busca da fórmula secreta do “vidro-rubi” perdida com a
morte do único homem que a conhecia, faz com que um vilarejo se perca em
obsessão e lamúria, pois os mesmos vivem desta especialidade. Personagens se
alteram, definham, crescem, e tudo isto sem qualquer dano ou apelação ao
alinhamento construído, ou seja, o desespero das pessoas com o alicerce
perdido, o vislumbre de um futuro sem nada, culminando em atitudes e condições
extremas dos personagens. Coração de Cristal é lento, pouco convencional, em
alguns momentos desesperador e exige muita concentração do espectador, ou seja,
é cinema de grande profundidade e de grande afetação. Visualmente e
esteticamente experimental, é um filme único na carreira de Herzog, o que o
torna pouco visto mesmo entre seus fãs, que na maioria das vezes são adeptos ao
seu cinema mais “comum”.
Como última ressalva, vale o destaque de que, segundo o que
eu li, Herzog utilizou técnicas de hipnose em alguns atores, principalmente nos
coadjuvantes, para que os mesmo realizassem cenas em estado alterado, com a
intenção de realizar o mesmo movimento no espectador, fincando sua presença
através da loucura e do exagero imposto a estes atores e no final das contas,
ele conseguiu, pois com o perdão do trocadilho, o filme é realmente
hipnotizante. Obrigatório.
(Herz aus Glas de Werner Herzog, Alemanha - 1976)
NOTA: 9,5
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