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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O GATO DE BOTAS


Criado pelo francês Charles Perrault no longínquo ano de 1697, o Gato de Botas sempre foi símbolo de lealdade e coragem. Contudo, não é este gato precisamente o assunto deste pequeno texto. Neste caso, o personagem central é aquele simpático mosqueteiro felino que apareceu pela primeira vez no segundo filme da franquia Shrek e que (seguindo a tendência da animação) ganhou um trabalho próprio. A Dreamworks não perdeu tempo e criou um ambiente bem favorável àquele que talvez seja seu mais carismático personagem.

O tom amarelado no melhor estilo Garfield está de volta, juntamente com seu figurino de tendências dumasianas com toques de Zorro e aquele sotaque de Don Juan que combina perfeitamente com um timbre de voz sedutor; não há como negar, o bichano é um charme só e possui um inigualável carisma. Tal caráter é extremamente explorado pelo filme, o que nos leva a afirmar claramente a seguinte premissa: se fosse um filme solo de um personagem diferente o resultado teria beirado o catastrófico.

O enredo da animação é pouco inspirado e se utiliza de outra fábula (João e o Pé de Feijão) para se formar. Falta inspiração para mudar um pouco o curso das coisas, o que torna o roteiro previsível demais. O vilão (que se “desvilaniza” depois) é um personagem incrivelmente chato. O ovo Humpty Dumpty (personagem também tirado de obras literárias infanto-juvenis e de mensagens folclóricas e culturais) é construído de tal forma que nos vemos diante de um dos mais intragáveis (no mau sentido) e desinteressantes personagens da animação recente.

Se o vilão e o roteiro fazem com que o filme derrape de forma muito forte, seu protagonista consegue segurar um pouco do outro lado da corda. Principalmente no início, ou seja, antes daquele ovo chato aparecer, o filme é uma boa piada atrás da outra, levando o espectador a momentos de puro riso. Quando foca no Gato o filme cresce, quando ele divide a tela com o ovo sua presença sofre uma ofuscação com a chatice de seu companheiro. Em suma, O Gato de Botas é um cabo de guerra disputado pelo carisma e a simpatia de seu protagonista contra a chatice do personagem Humpty Dumpty e a pobreza de roteiro. Para alegria, principalmente das crianças, o Gato vence mais uma, e conta com isso com uma sensacional trilha sonora e com coadjuvantes menores até interessantes como a gata Kitty Pata-Mansa e como um gato que só aparece de olhos arregalados e assustado com o que vê, soltando sempre um sonoro “oooohhhhh”.

Uma animação com grandes defeitos, mas que os supera calcados na força de seu protagonista. É óbvio que o filme poderia ter sido bem melhor, ainda mais por ter como protagonista um personagem tão carismático, todavia, O Gato de Botas cumpre o seu papel, tornando-se um bom entretenimento e um ótimo programa para crianças e para adultos que desejam relaxar e dar boas risadas.


(Puss In Boots de Chris Miller, EUA - 2011)


NOTA: 6,5

domingo, 25 de dezembro de 2011

A PELE QUE HABITO

Almodóvar revive o personagem do “cientista maluco” em um conto sobre a crueza e a dureza da busca pela vingança e do encontro de uma identidade própria. O resultado, assim como quase todos os filmes do diretor espanhol, é um filme superficial e banalizante, com um pequeno agravante: falta originalidade, ao contrário do que muitos andam dizendo por aí.

A Pele Que Habito é um Frankenstein moderno, não apenas no contexto geral da história, mas também pelos vários elementos de outros filmes e diretores usados por Almodóvar. Na parte artística, é possível notar sinais de Greenaway e de Hitchcock. Na condução e produção do contexto, temos elementos de O Segredo dos Seus Olhos. Contudo, o argumento central em si, a produção argumentativa, mesmo que com algumas diferenças, já foi abordada pelo cinema. Georges Franju com seu Os Olhos Sem Rosto e John Frankenheimer com seu O Segundo Rosto, já trataram da obsessão pela reformulação plástica, das conseqüências de tais movimentos e dos malefícios e benefícios de tais elementos. Por mais que se possa argumentar que tal situação é apenas um ponto de partida e que no fim geram consequências diferentes, a tão falada originalidade de Almodóvar perde um pouco de seu sentido.

Além disso, o roteiro tem vários buracos e situações que não se sustentam. Como (no caso do personagem de Banderas) uma vingança se torna uma paixão? Como a personagem Jan/Vera perde em apenas seis anos qualquer traço de masculinidade, já que qualquer pessoa um pouco mais atenta sabe que a coisa não é tão simples, o que torna a aceitação do argumento um nítido exercício de boa vontade. A frivolidade da película ganha força neste aspecto, já que na concepção de Almodóvar homens e mulheres se caracterizam apenas pelo elemento biológico, ou seja, para o fútil diretor espanhol a principal característica do homem é ter um pênis e realizar a penetração, enquanto que da mulher é ter uma vagina e ser penetrada. Confesso que eu não me surpreendo com tal concepção, pois tratamos aqui de um diretor que não possui capacidade intelectual para um vislumbre mais detalhado da existência humana, contudo fica a minha pergunta ao espectador: Como um ser que é seqüestrado, tem seu corpo todo alterado incluindo seu sexo e é mantido em cativeiro, não possui sequer nenhum conflito interno ou qualquer reação humana? Tudo é muito banal, além de ser sempre mantido no âmbito corpóreo-biológico sem qualquer intenção de profundidade.

O personagem de Antonio Banderas é o Macaco Louco. Com claras alusões ao personagem central de A Centopéia Humana, o ator espanhol constrói um homem sem propósitos e que se utiliza de sua técnica por puro exercício de masturbação. Movido inicialmente por vingança, o médico vivido por Banderas, em posteridade, se apaixona por sua criação com uma esfarrapada desculpa de “reconstruir” sua esposa morta e de aparência semelhante, contudo é nítido que o jogo aqui se firma do egoísmo de sua técnica, ou seja, é um homem sem humanidade e que se utiliza do corpo dos outros para louvar sua própria frivolidade. Não há esse elemento de busca de identidade que alguns colocam, e A Pele Que Habito é um movimento de Síndrome de Estocolmo com sadismo puramente vulgar, assim como várias de suas cenas.

Acho válida a tentativa de Almodóvar de mudar de gênero e se renovar, mesmo com a nítida dificuldade que o diretor possui nas cenas de suspense. O elenco, mesmo com um roteiro cambaleante se sai bem e pulsa bem os aspectos básicos da história. Outro bom aspecto da fita é a inebriante e funcional trilha sonora que mescla com muita capacidade vários gêneros da arte sonora.

A verdade é que Almodóvar novamente depende da boa vontade de seus ortodoxos fãs, pois A Pele Que Habito deixa a desejar quando analisamos o resultado final de seu conjunto. Ao tentar inserir simbolismos e reflexões em seu filme, o diretor espanhol só escancarou o quão superficial ele é; me deixando com a sensação de que talvez esteja aí o motivo pelo qual o mesmo é tão adorado pelo público atual. 


(La Piel Que Habito de Pedro Almodóvar, Espanha - 2011)



NOTA: 4,5

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

INDICADOS AO GLOBO DE OURO 2012!


Saíram os indicados ao Globo de Ouro 2012 e como é de praxe, quase nenhum filme estreou no Brasil ainda, sendo assim, e por meios alternativos, conforme for assistindo publicarei comentários por aqui, como já fiz com Meia-Noite em Paris por exemplo. Enquanto isso, segue a lista dos indicados:


Melhor filme - Drama:

"Os descendentes"
''Histórias cruzadas"
''A invenção de Hugo Cabret"
''Tudo pelo poder"
''O homem que mudou o jogo"
''Cavalo de guerra"

Melhor filme - Musical ou Comédia:

"50/50"
''The artist"
''Missão Madrinha de Casamento"
''Meia-noite em Paris"
''My week with Marilyn."

Melhor ator - Drama:

George Clooney, "Os descendentes"
Leonardo DiCaprio, "J. Edgar"
Michael Fassbender, "Shame"
Ryan Gosling, "Tudo pelo poder"
Brad Pitt, "O homem que mudou o jogo"

Melhor atriz - Drama:

Glenn Close, "Albert Nobbs"
Viola Davis, "Histórias cruzadas"
Rooney Mara, "O homem que não amava as mulheres"
Meryl Streep, "A dama de ferro"
Tilda Swinton, "Precisamos falar sobre o Kevin"

Diretor:

Woody Allen, "Meia-noite em Paris"
George Clooney, "Tudo pelo poder"
Michel Hazanavicius, "The artist"
Alexander Payne, "Os descendentes"
Martin Scorsese, "A invenção de Hugo Cabret"

Melhor ator - Musical ou Comédia:

Jean Dujardin, "The Artist"
Brendan Gleeson, "O guarda"
Joseph Gordon-Levitt, "50/50"
Ryan Gosling, "Amor a toda prova"
Owen Wilson, "Meia-noite em Paris"

Melhor atriz - Musical ou Comédia:

Jodie Foster, "Carnage"
Charlize Theron, "Jovens adultos"
Kristen Wiig, "Missão Madrinha de Casamento"
Michelle Williams, "My week with Marilyn"
Kate Winslet, "Carnage"

Melhor ator coadjuvante:

Kenneth Branagh, "My week with Marilyn"
Albert Brooks, "Drive"
Jonah Hill, "O homem que mudou o jogo"
Viggo Mortensen, "Um método perigoso"
Christopher Plummer, "Beginners"

Melhor atriz coadjuvante:

Berenice Bejo, "The artist"
Jessica Chastain, "Histórias cruzadas"
Janet McTeer, "Albert Nobbs"
Octavia Spencer, "Histórias cruzadas"
Shailene Woodley, "Os descendentes"

Melhor filme em língua estrangeira:

"The flowers of war"
''In the land of blood and honey"
''O garoto da bicicleta"
''A separação"
''A pele que habito"

Melhor filme de animação:

"As aventuras de Tintin: O segredo do Licorne"
''Operação Presente"
''Carros 2"
''Gato de Botas"
''Rango"

Melhor roteiro:

Woody Allen, "Meia-noite em Paris"
George Clooney, Grand Heslov e Beau Willimon, "Tudo pelo poder"
Michel Hazanavicius, "The artist"
Alexander Payne, Nat Faxwon e Jim Rash, "Os descendentes"
Steven Zaillian e Aaron Sorkin, "O homem que mudou o jogo"

Trilha sonora original:

Ludovic Bource, "The artist"
Abel Korzeniowski, "W.E."
Trent Reznor e Atticus Ross, "O homem que não amava as mulheres"
Howard Shore, "A invenção de Hugo Cabret"
John Williams, "Cavalo de guerra"

Melhor canção original:

"Hello hello" (música de Elton John, letra de Bernie Taupin), "Gnomeu e Julieta"
"The keeper" (música e letra de Chris Cornell), "Redenção"
"Lay your head down" (música de Brian Byrne, letra de Glenn Close), "Albert Nobbs"
"The living proof" (música de Mary J. Blige, Thomas Newman, Harvey Mason Jr., letra de Mary J. Blige, Harvey Mason Jr., Damon Thomas), "Histórias cruzadas"
"Masterpiece" (música e letra de Madonna, Julie Frost, Jimmy Harry), "W.E."

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

OS GAROTOS PERDIDOS


Ser uma obra representante de um comportamento ou de uma maneira de vida de uma determinada época tem seus benefícios e seus malefícios. Nos benefícios inclui-se a sempre admiração daqueles que conviveram com tal comportamento, isso para citar apenas um, enquanto que nos malefícios, encontra-se o fato, sempre um pouco incômodo do rótulo de que “o filme envelheceu”. Os Garotos Perdidos abraça estes dois aspectos, contudo, consegue se manter um pouco acima dos benefícios e inibir um pouco os malefícios.

Não falamos aqui de uma grande obra de arte, nem sequer falamos de um grande filme, mas mexemos com um representante de uma das mais peculiares juventudes de todos os tempos, a dos anos 80. Ex-hippies, jovens aventureiros, jaquetas de couro, cabelos arrepiados alinhados a maquiagens às vezes rudes às vezes sutis, mas quase sempre presente, rebeldia e sentimentalidade contrastando o tempo todo, vampiros cruéis e maldosos (ao contrário da geração atual dos purpurinados seres da floresta) e aquele pseudo hard rock eletrizado pautado na utilização de baterias eletrônicas e teclados estridentes; todos estes aspectos entre outros estão na obra de Joel Schumacher e estiveram presentes durante muito tempo no imaginário dos jovens que viveram em tal época.

Ser cult é ser aclamado e adorado por grupos de pessoas e possuir sua marca através deste mesmo público, sem necessidade de perfeição técnica ou artística; logo Os Garotos Perdidos é cult, e dos grandes ainda. O filme gira em torno de uma mãe divorciada e seus dois filhos, quando estes se mudam para uma cidade costeira nos EUA famosa pela quantidade de crimes que ali se passam. Contudo, o motivo não são pessoas comuns, mas uma gangue formada por vampiros. O problema começa quando o filho mais velho desta mãe solteira (interpretada por Dianne Wiest) se torna um iniciante deste grupo. A partir deste argumento, que é até bem morninho, Schumacher consegue desenvolver um bom filme, respeitoso com a geração e com os estereótipos que ali aparecem. Sua direção, apesar do peso habitual, é consciente e encaixada. O roteiro possui situações bem estúpidas e apela para formulações exageradas (como os irmãos caçadores de vampiros e seus comportamentos fortes que terminam em fraqueza e piadas), mas é agradável no estilo ímpar com que constrói a história dos personagens e os relacionamentos entre os mesmos. A trilha sonora tem um efeito meio enevoado e consegue criar um bom clima de horror e suspense, sempre aliada ao bom uso das luzes e dos efeitos visuais (a névoa misteriosa que surge em várias cenas do filme ganha o maior crédito desta parte).

Todavia, não é preciso um olhar muito apurado para perceber que o filme deu uma envelhecida. A agitação inofensiva, o romance puritano, o palavreado e o estilo propriamente dito já não fazem mais parte de nenhum cotidiano, menos ainda da juventude atual. As músicas do filme soam muito antigas, assim como a caracterização dos próprios vampiros, que nos dias atuais possuem sua literatura clássica suprimida por concepções menos maléficas, por assim dizer. Em outras palavras, no atual “público alvo”, Os Garotos Perdidos passa batido, e sobrevive apenas na nostalgia daqueles que o vivenciaram ainda em épocas de juventude. É um filme fadado ao esquecimento e que passará a fazer parte apenas de coleções e de estantes de saudosistas da sétima arte e da contracultura underground. Assistir a Os Garotos Perdidos é literalmente um exercício de nostalgia. 

Não chega a ser um representante clássico do horror e nem da mitologia vampiresca, afinal o filme não assusta e nem chega a gerar sensações angustiantes, algo tão necessário aos filmes do gênero; porém é um bom e divertido passatempo, que se tornou cult e ainda sobrevive com pernas próprias, mesmo que estas estejam cada vez mais curtas. 




(The Lost Boys de Joel Schumacher, EUA - 1987)




NOTA: 6,5

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

BLOW UP - DEPOIS DAQUELE BEIJO



O primeiro filme do cineasta italiano Antonioni em inglês, Blow up, tornou-se logo uma das referências principais ao se atribuir grandes títulos ao diretor. Apesar do estilo de Antonioni sempre compor seus filmes com sutis, porém profundas críticas à sociedade (burguesa, moderna, etc.), Blow up, apesar de tê-las, vai além, existe algo transcende à simples vivência no mundo como sociedade. Ora, Antonioni vai para um campo de relação percepção-superficialidade.

Explico: num mundo onde o tédio e a angústia, ambos proporcionados pelo dinheiro ou a trivial vida moderna (que no caso, se constitui de uma Londres anos 60, idade de ouro do famoso trio sexo, drogas e rock’n’roll, como é explicitamente abordado no filme, mas não como foco principal, apenas como o contexto básico), existe então um peculiar desespero por se livrar de tais estados, dessa existência, culminando ao homem a ter dificuldades com sua própria realidade, com a sua percepção daquele mundo real (e tedioso), levando-o assim a momentâneos estados de felicidade, mesmo que seja através de estados e situações duvidosas sobre a objetividade da realidade.

Como já se disse, apesar de Antonioni focar neste filme um especial tema sobre percepção e, por que não, estados espúrios ao homem contemporâneo, o diretor parte da vida social (não sem ter uma definida intenção com isto)  em que o protagonista vive: Thomas é um fotógrafo famoso e muito bem de vida, rodeado de modelos sempre todas iguais querendo ser famosas (nas próprias palavras do personagem: vacas), uma realidade  que apesar de parecer muito boa, traz consigo as mesas coisas, as mesmas pessoas, consequentemente, o tédio, a infelicidade de ser/estar. Porém, um dia este estado muda, mesmo que rapidamente, em um momento em que Thomas fotografa duas pessoas se beijando em um parque. A cena para ele é deslumbrante, porém, a mulher que estava sendo fotografada insiste para que Thomas entregasse as fotos, que ninguém as visse. Extasiado com as fotos em mãos, Thomas insiste em revelá-las e ampliá-las (para se fazer jus a expressão blow up utilizada para aumentar fotos ou, num duplo sentido para a película, explosão).

Em um período de êxtase pelas fotografias, analisando-as enquanto se livra de um tédio profundo que se encontra, Thomas começa a enxergar pequenos detalhes nas cenas de suas fotos e então, cada vez mais as ampliando, chaga a conclusão de que há nelas uma cena de um assassinato: visualiza um corpo, um homem com uma arma, a mulher que pedira as fotos com uma aparente preocupação em suas feições. O desenrolar do filme se dá numa bela sequência lacônica sobre Thomas buscar saber mais sobre a situação, um sequência tênue entre o que ele pensa que está acontecendo, e assim, seus momentos interessantes, e o que realmente está acontecendo, o mundo concreto, pois o que sobra para Thomas é a duvida e novamente o tédio. E em nenhum momento o filme deixa transparecer o que realmente é, se há ou não um assassinato, um corpo. O espectador pode tanto comprar a ideia a partir de que Thomas tende achar, quanto a ideia de que não há nada, apenas imaginação, um escape do personagem para um estado mais excitante.

O filme é, então, o conjunto de um roteiro interessante e transposto em cenas que o deixa ainda mais interessante: há no ritmo de Blow Up um ar desinteresseiro e leve, entretanto, com uma temática inteligente e profunda, fazendo-o aqueles típicos filmes que não sai da sua cabeça por dias. E aliado à tudo isso, temos uma fotografia deslumbrante de cada cena, de cada detalhe, com retratos de um Londres fria e nublada e figurinos muito bem colocados; e méritos também da atuação de David Hemmings (como Thomas) que consegue levar o filme muito bem sozinho. Em suma, é um filme que deve ser assistido.


                   (Blow Up, de Michelangelo Antonioni, Inglaterra/Italia - 1966)


NOTA: 9.0

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS


Mulheres... é considerado por muitos o primeiro grande filme do amado diretor Pedro Almodóvar, contudo, é complicado para este ser entender o motivo pelo qual Almodóvar adquiriu o status que adquiriu tão quão é difícil aceitar o rótulo de grande filme para este trabalho ao qual dedicarei algumas linhas a partir de agora.

Almodóvar pode até ter algumas boas sacadas para a construção de argutos roteiros, porém isto o limita ao posto de bom roteirista, pois é nítida a dificuldade que o diretor possui para transpor boas ideais do papel para a telona, transformando-as assim em grandes cenas. O filme é morno, possui um ritmo cambaleante e em alguns momentos muito chato. Sua visão da sociedade espanhola e das mulheres em específico é degradante e seus exageros artísticos são no mínimo exagerados e irritantes a olhos de caráter mais sombreados.

Mulheres... opta por trilhar caminhos que podem ser considerados circenses em alguns momentos. Com seu elemento espalhafatoso no auge, Almodóvar transforma alguns personagens em verdadeiros palhaços com sua hiper-exagerada maquiagem. O táxi que aparece várias vezes no filme é de um mau gosto descomunal, e o tão falado experimentalismo artístico do diretor só aparece no figurino ora interessante, ora igualmente estabanado.

O elenco é o que se mostra mais interessante. Carmem Maura carrega bem o piano no papel de protagonista e constrói uma boa personagem, com audácia e com uma boa dose de equilíbrio quando necessário. Julieta Serrano também se sobressai como Lúcia, apesar de ter seu personagem caricaturado demais na parte final da fita pelos já citados exageros do diretor espanhol. Por outro lado, Maria Barranco sofre com sua Candela, muito mais pela fraca consistência argumentativa do personagem em si, do que propriamente por uma atuação ruim.

Como já resumidamente adiantado, o roteiro do próprio Almodóvar, é, em linhas gerais, até interessante. Possui uma boa ideia central e alguns bons desdobramentos, contudo, é suplantado pelos maneirismos do diretor e da pouca técnica que o mesmo possui na construção de um filme propriamente dito. De tal modo, Mulheres... torna-se uma boa ideia que quase deu certo, mas acabou se tornando mais frívolo do que deveria ser e menos sério do que deveria ser. Nenhuma boa ideia e nenhuma boa nuance consegue se salvar de uma execução sem punho e de uma imposição barata de psicologismos puramente parnasianos e sem qualquer fundamentação técnica ou até mesmo objetiva. Exagero por exagero, o circo se sai um pouco melhor, mas Almodóvar encontrou um público que aprecia isso e que o transformou naquilo que ele nunca foi e nunca será, ou seja, um bom diretor e fazedor de filmes em geral.

Ao contrário de Woody Allen, por exemplo, que eu respeito e entendo sua importância para a história do cinema, mas que por motivos de gosto pessoal não o dedico tanta admiração, Almodóvar é um fenômeno que eu simplesmente não entendo, e olha que este aqui é, dos filmes do diretor que eu vi aquele que menos me desagrada. Eu juro que tentei, mas pra mim, Almodóvar não dá.


(Mujeres Al Borde De Un Ataque De Nervios de Pedro Almodóvar, Espanha - 1988)



NOTA: 5,0

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

MEIA-NOITE EM PARIS


Tudo parecia caminhar rumo a uma fase assombrosa para o outrora gigante Woody Allen. O diretor acumulava fracassos e filmes de baixa qualidade, sendo estes admirados apenas por aqueles tocados por alguma nuance do mesmo, ou pela insistência em um ídolo do passado. Todavia, um dos grandes divertimentos do cinema é a capacidade que ele proporciona a diretores, atores e envolvidos na construção geral dos filmes de retornar ao auge, ou pelo menos de proporcionar aquela clássica “volta por cima”. Meia-Noite em Paris é a volta por cima de Allen.

A fita é leve, deslizante e muito redondinha, o que beira um elemento sublime em seus pontos mais apoteóticos. O roteiro de Allen é muito inspirado e se transforma no ponto alto do filme com uma originalidade e astúcia dignas das grandes obras do já consagrado diretor. Owen Wilson faz uma espécie de roteirista comercial que almeja se tornar um “escritor de verdade” e está em Paris de passagem com sua noiva interpretada por Rachel McAdams. Todo dia, ao soar da meia-noite, o personagem de Wilson se transporta para a Paris dos anos 20, onde encontrará célebres personalidades da época, além de um novo amor. Se a ideia em si já é original e interessante, imagine a mesma desenvolvida de forma concisa e cheia de mecanismos de admiração.

Allen se utiliza deste roteiro para realizar um questionamento sobre o descontentamento humano com o seu presente e a conseqüente admiração de um passado não-vivido. A proposta de Allen se mostra simples: a vida é insuficiente, e como o futuro é incerto, buscamos aquilo que nos falta, em um passado que admiramos. Tal elemento, segundo Allen, não é especificidade do homem do século XXI, mas de todos os homens, basta ver, que no filme, conhecemos homens dos anos 2000 que preferem os anos 20, pessoas dos anos 20 que preferem o final do século XIX e outros do final do século XIX que preferem a época da Renascença, em outras palavras, o problema do homem é a insuficiência de seu presente.

Concordando ou não com esta tese, é difícil não se maravilhar com um diálogo entre Hemingway e Fitzgerald, com a dica do personagem de Owen Wilson para o jovem Luís Buñuel na criação de um filme, com um eufórico Dalí ou com uma mesa de bar no final do século XIX onde se encontram juntos nada mais nada menos que Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin e Edgar Degas. Allen brinca com o tempo de uma forma impressionante até mesmo para seus não-fãs e consegue levar o espectador a todas as épocas de uma forma muito interessante, além de apresentar seus respectivos personagens de forma resumida (afinal estamos falando de um filme e não de um livro de história de Paris), porém muito cativante.

Entre seus defeitos, Meia-Noite em Paris peca um pouco na superficialidade das relações entre os personagens, possui uma trilha-sonora um pouco enjoativa e se esquece de alguns personagens ao longo de sua duração, sendo que estes poderiam acrescentar bastante à trama, casos do próprio Dalí de Adrien Brody ou do “pedante” Paul do sempre ótimo Michael Sheen. Owen Wilson empresta aqui uma grande atuação, muito acima do seu próprio talento nato e Kathy Bates enche a tela de graciosidade com sua ótima Gertrude Stein, para destacar apenas dois do elenco, que no geral está muito bem.

Os fãs de Allen estão vibrando com este filme, e não por acaso, já que este é o melhor trabalho do diretor em muitos anos, o que nos faz pensar na seguinte questão: Seria Woody Allen um ex-diretor em atividade que ainda possui lampejos esparsos de talento ou seria Woody Allen um gigante que passou por uma longa má fase? Bom, esta é uma pergunta que apenas os próximos filmes do diretor responderão, nos restando apenas esperar.


(Midnight in Paris de Woody Allen, EUA/Espanha - 2011)




NOTA: 8,5

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A GAROTA IDEAL


Lars, cuja principal característica é uma timidez fora do comum e uma falta de capacidade de viver no meio das pessoas igualmente assombrosa, encontra refúgio em uma boneca de tamanho e feições reais, cujos verdadeiros fins seriam sexuais. Contudo, o personagem de Ryan Gosling (Lars) a assume como real, e passa a tratar a boneca como sua namorada, sem qualquer noção aparente da verdadeira realidade do ser que agora ele acolhe. Bianca (a boneca) não só deixa de ser uma boneca erótica, como passa a ser um membro da família, da comunidade e o principal eixo da vida deste solitário e distorcido jovem.

A sinopse básica de A Garota Ideal não é a grande sacada do filme. O grande aspecto, e aquilo que norteia toda a fita, é a psicologia inserida nas relações entre as pessoas e a boneca. Por ordens da psicóloga de Lars, as pessoas à sua volta passam a aceitar a boneca e a tratá-la como uma pessoa ao invés de repeli-la. A inversão real-ideal transforma uma comédia de poucas pretensões em um filme muito interessante, cheio de boas piadas, completamente não-apelativo e bem original, algo cada vez mais raro no gênero das comédias.

A fita de utiliza de uma psicologia inversa para apresentar o amor incondicional pelas pessoas. Lars é tão querido pela comunidade, que a mesma abraça Bianca com o carinho de um ser humano normal. Com um humor bem brejeiro e aquele de coisa caipira (sem tom pejorativo), vemos o nascer, o desenrolar e o fim de uma relação entre Lars e os outros por intermédio de um ser não - vivo, pelo menos em termos biológicos. Toda a criação de Lars reflete em suas relações, e no final das contas, aparece como um escape do personagem para sua aparente solidão. Logicamente, que um aprofundamento maior no âmbito total da fita nos colocaria em meio a uma análise mais precisa, mas algo aqui me parece nítido, que é a falta de visão que algumas pessoas possuem de sua própria importância. Assim como em A Felicidade Não Se Compra de Frank Capra (dadas às devidas diferenças que não nos cabem neste momento), encontramos um personagem amado pelas pessoas e que se esconde disto, anulando sua crença própria, tanto que é preciso algo externo (ou inventivo interno?) para reviver tal questão.

Em termos mais cinematográficos, A Garota Ideal derrapa na construção de alguns personagens que em alguns momentos se mostram deslocados da realidade da comunidade (o irmão de Lars é um exemplo), mas possui um roteiro leve, gentil e muito gracioso, onde as piadas fluem, e, mesmo sem a existência de gargalhadas, diverte com qualidade e inteligência, algo que é no mínimo digno de nota. O ar de filme independente está por toda a parte, desde as singelas construções cinematográficas até a pouca inspirada parte artística que mesmo podendo ser mais bem fixada, não chega a prejudicar a fita. Gosling está perfeito no papel, e se dedica de forma única a um personagem difícil e cheio de minúcias; contudo acredito que o ator deve ter se divertido como poucos em tal construção.

Talvez a complexidade e as diversas alternativas psicológicas do filme exigissem que eu dedicasse mais tempo à análise desta fita neste espaço, contudo acredito ter resumido bem o contexto da questão; sendo que qualquer outra interpretação ou mais ampla análise fica por conta do espectador, afinal a graça de um filme como este é a geração de tais perspectivas. Uma comédia diferente, inteligente e engraçada, em outras palavras, um ótimo trabalho.


(Lars and the Real Girl de Craig Gillespie, EUA - 2007)



NOTA: 8,0

sábado, 26 de novembro de 2011

LUZ DE INVERNO


Integrante da clássica e aclamada Trilogia do Silêncio do genial cineasta sueco Ingmar Bergman, Luz de Inverno faz uma descida às catacumbas das dúvidas de fé que envolvem um pastor e de certo que envolvem todos aqueles envolvidos em uma pequena cidade da fria Suécia. Através de grandes diálogos, atuações exuberantes e a já conhecidíssima visão cinematográfica de Bergman, Luz de Inverno se mostra uma ótima análise do ser humano perdido e sem confiança nas bases que sempre carregou.

O filme se passa quase todo em ambientes fechados e se apóia na claramente em seu roteiro. Ainda bem, e como já é de praxe, os roteiros dos filmes de Bergman são simplesmente espetaculares (com raras exceções) e Luz de Inverno segue esta tradição. Com diálogos primorosos, inteligentes, sensatos e muito provocativos em alguns momentos (como uma das cenas finais na conversa entre o pastor e um tipo de sacristão que questiona a ênfase da liturgia cristã no sofrimento físico de Jesus em sua paixão), Bergman consegue mais uma vez envolver o espectador em uma análise profunda do ser humano. Como de costume, o diretor sueco se envolve no elemento subjetivo de seus personagens e lida com suas crises existenciais de maneira respeitosa e não como estupidez ou rejeição.

O personagem do pastor é um elemento clássico da história humana, onde temos o rompimento da fé nas bases criantes de si próprio, ou seja, rui-se aquilo que o transforma naquele indivíduo “x” e não “y” provocando uma crise de identidade. Além disso, Bergman se utiliza do escopo geral, para postar uma situação de um mundo sem a figura de Deus, sem a fé, sem a atribulação do divino para guiar a vida humana. Novamente, como ninguém mais conseguiu na história do cinema (com exceção de Tarkovsky talvez), Bergman cria um grande filme em sua parte propriamente cinematográfica, sem esquecer-se dos inseparáveis movimentos filosóficos e existenciais que perturbam e circundam o homem durante toda a sua vida.

Contudo, vale dizer que Bergman pesa a mão como poucas vezes foi visto em sua vasta cinematografia. Luz de Inverno é um desfile de questionamentos, de problemas e de incertezas, o que o transforma em um filme denso, pesado e lento, elemento que converge com a dura paisagem do congelante inverno sueco. Extremamente reflexivo e de assimilação quase nada usual, Luz de Inverno, mais que vários outros filmes do diretor, não é nem um pouco recomendado para se assistir em família como elemento relaxante de uma tarde de domingo ou de uma noite de sábado.

Recomendado apenas para fãs que optam por um cinema não comercial e que conseguem realizar um bom exercício de paciência, Luz de Inverno se mostra como um belo filme, porém com uma função mais questionadora e cognoscente do que propriamente uma função de entretenimento, o que venhamos e convenhamos não é nenhuma novidade levando-se em conta a filmografia de Bergman.


(Nattvardsgästerna de Ingmar Bergman, Suécia - 1963)




NOTA: 8,0

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O CONCERTO


Em 1998, o cineasta romeno Radu Mihaileanu lançava um dos grandes filmes dos anos 90, chamado Trem da Vida, ao qual eu só teria acesso poucos anos atrás. Fato este que contribuiu para meu interesse por este O Concerto, que chegou há pouco tempo no Brasil e colocou em minha mente cinéfila uma nova certeza: eis um diretor que passarei a acompanhar com mais carinho.

O filme parte de um argumento central que beira o absurdo: um ex-maestro da orquestra do Teatro Bolshoi da Rússia, que foi demitido de seu posto junto com sua orquestra pelo governante soviético Leonid Brezhnev por defender músicos judeus, “rouba” um fax do diretor do Teatro Châtelet em Paris que convidava a orquestra do Bolshoi para um concerto. Sem comunicar a verdadeira orquestra do Bolshoi o “Maestro” reunirá novamente sua orquestra e partirá para a França.

Mihaileanu constrói uma falsa sinopse, já que no fundo este elemento de confusão do filme é o pano de fundo para uma história terna e sensível sobre o poder da música, o poder da perseverança e em alguns momentos até uma fixação pela perfeição que beira a loucura. Além disso, temos um elemento de “grito de liberdade” inserido no filme que pode até passar despercebidos a olhos mais desatentos, mas que flutua por ali com um sussurro de todos os povos (incluindo os russos) que foram oprimidos e martirizados pela antiga União Soviética. O retorno do antigo Bolshoi destituído pela antiga URSS entre outros aspectos é uma clara alusão de povos que ainda estão se levantando e se reerguendo depois de um longo período de queda e sofrimento.

Deve-se, entretanto uma leve ressalva; já que para construir a sua história Mihaileanu não tem nenhum pudor em se apoiar por situações em alguns momentos muito coincidentes, ou seja, tudo acontece perante muitas coincidências, e sem muita construção lógica, no sentido pragmático da coisa. Além disso, o flerte com situações espalhafatosas e algumas cenas que beiram a “comédia pastelão” pode fazer com que o espectador não leve esta obra tão a sério como ela merece, já que, por mais que a mesma seja uma comédia e goste disso, seu fundo de seriedade é de muito brilho e até mais presente do que a própria comédia. Mesmo assim, Mihaileanu não perde a mão e constrói um filme que é sério, trata de um assunto sério, mas se caracteriza como comédia, pois suas veias cômicas se convergem entre as cenas, criando mesmo entre o absurdo e o espalhafatoso algo correto.

O elenco é excelente, a trilha sonora é simplesmente monumental, o trabalho artístico é muito detalhado mesmo que na maioria do tempo discreto e a construção do argumento, mesmo com certos desvios para o inusitado com fundo de comédia, é bem formulado e possui um grande mérito ao optar pelo simples é um momento crucial do filme, ao invés de tentar uma reviravolta tão comum atualmente, que se espera o segundo e não o primeiro, o que torna o final da fita até certo ponto incomum, porém muito feliz do ponto de vista da construção argumentativa.

Entretanto, até este momento, O Concerto se encaixaria como aquele bom trabalho que cumpria seu papel muito bem, mas sem aquele “algo mais” dos grandes filmes, fato que começa a mudar faltando cerca de catorze minutos para seu término. A cena final (que eu não vou contar, lógico) é simplesmente uma das melhores cenas que eu vi nos últimos anos. Ao som do Concerto para violino e orquestra em Ré Maior, Op. 35 de Tchaikovsky, Mihaileanu passeia com sua câmera, amarra todos os pontos do roteiro e finaliza seu filme de uma maneira simplesmente majestosa, intercalando passado e presente em um belíssimo trabalho de edição. O diretor romeno insere uma dose tão grande de sentimento aqui, que é impossível não se extasiar com o que se passa na tela. São quase catorze minutos daquilo que o cinema pode nos proporcionar de melhor e de mais prazeroso. O filme em si já valeria seu dinheiro, mas o final é com certeza a garantia de um bom investimento. Um bom filme com um majestoso final. Mihaileanu mostra de vez que é um grande diretor e em O Concerto ainda vem acompanhado de Tchaikovsky, o que me leva a realizar a seguinte pergunta: Você ainda tem alguma dúvida de qual será o seu próximo filme?


(Le Concert de Radu Mihaileanu - Bélgica/França/Itália/Romênia/Rússia, 2009)



NOTA: 8,5

terça-feira, 15 de novembro de 2011

RANGO


O cinema de animação sempre foi um dos mais propícios para homenagens, sejam elas de qual caráter for, contudo, talvez a mais explícita de todas elas aconteça nesta animação do experiente e versátil diretor Gore Verbinski, mais conhecido do público por ter sido o diretor dos três primeiros filmes da franquia Piratas do Caribe. Rango é uma ode ao cinema de faroeste que dominava o circuito e levava ao delírio platéias nos anos 50,60 e 70, mas que hoje é praticamente um gênero morto.

É exatamente este caráter de homenagem, ou pelo menos de dedicatória, que propicia tanto as qualidades como os problemas de Rango. O filme é leve, divertido, com personagens (incluindo seu protagonista) extremamente carismáticos (algo essencial para qualquer filme, mas principalmente para as animações) e de um leve bom gosto não encontrado em animações como Rio por exemplo. Verbinski faz um filme apaixonado, em que os clichês do gênero de faroeste (e são muitos) são explorados e encaixados ao longo da trama com muita simpatia e com muita simplicidade. O feno pelo deserto, o sol nascendo ao longe com as sombras dos cowboys (no caso aqui montados em papas-léguas acredito eu), aquele clima de coisa antiga, a música firmada em acordes de banjo, aquele sotaque de provinciano, tudo isto é explorado com muito profissionalismo e muito cuidado por Verbinski, já que, caso contrário, estes elementos poderiam caracterizar uma pieguice que o filme não possui.

Verbinski não é um grande diretor, mas ninguém pode negar que ele é versátil. O cara já fez filmes infantis (Um Ratinho Encrenqueiro), ficção científica (A Máquina do Tempo), Terror (O Chamado) e os já citados três primeiros filmes da saga do pirata Jack Sparrow entre outros, agrupando aqui um grau de experiência que ajuda bastante, principalmente na flutuação das construções dramáticas, que por mais que possuam suas bases nos pilares do faroeste, se alteram em alguns momentos.

Todavia, no caso de Rango, a mão que afaga é a mesma que apedreja. A falta de originalidade na construção argumentativa sempre foi um dos grandes problemas dos filmes de western, isso se não for o maior. Além de envelhecerem (como o próprio filme colocar, que aqueles personagens hoje são lendas), os filmes de faroeste conviverem com a falta de novas idéias, deixando os espectadores enjoados e com aquela sensação de que “tudo igual”. No final do auge do gênero, os faroestes não passavam de um enorme e interminável mais do mesmo, e Rango esbarra neste ponto. Além disso, o filme de Verbinski tem obrigações com seu próprio gênero, ou seja, as animações. De tal forma, um elemento mais infantil, e até mesmo uma lição de vida quase que necessariamente deve ser inserida em meio aos tiroteios e dos ventos carregadores de poeira que se misturam com a dura paisagem desértica. Verbinski não consegue fugir dos clichês de nenhum dos dois gêneros, e ainda perde a chance de criar algo novo com a união destes já citados dois gêneros. Em suma; com meia-hora de filme, você já praticamente desvenda todo o restante da fita, que ainda une a isto o fato de ser um pouco longa.

Desde que o cinema de animação se modernizou e passou a produzir de quinze a vinte filmes por ano, vindos de várias partes, 2011 talvez seja o pior ano para o gênero, que não produziu nenhum grande filme e muito menos encravou qualquer sequência ou projeção nas eternas memórias dos cinéfilos (não coloco aqui a animação francesa O Mágico, pois acredito que o foco seja diferente), contudo, em um ano onde o gênero está nivelado por baixo, Rango acaba ganhando certo destaque. Longe de ser um clássico, ou até mesmo um grande filme do gênero, Rango talvez seja uma das melhores animações do ano, só que infelizmente em um ano como este, tal elogio não quer dizer muita coisa.


(Rango de Gore Verbinski, EUA - 2011)


NOTA: 6,5

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MUPPETS - O FILME


O primeiro longa de uma das mais famosas turmas de todos os tempos (dizer a mais famosa poderia se tornar uma grande pretensão) é também o mais completo e o mais correto dos longas já realizados por estes simpáticos seres. Não que os outros filmes que envolvam os Muppets sejam ruins, mas este aqui ainda é supremo, não sem méritos, que ainda hoje é considerado um clássico do cinema.

O filme é uma sessão de cinema, onde os Muppets assistem ao mesmo filme que o espectador, ou seja, um longa que conta a história de como tudo começou; desde a descoberta de Caco por parte de um produtor de Hollywood, enquanto este dedilhava em seu banjo e cantava com sua voz fanha e estranha as maravilhosas notas de Rainbow Connection (uma das grandes cenas musicais da história do cinema, e uma das mais belas canções já compostas para o cinema), o encontro um a um com os principais nomes da turma, até o ápice no final, com a assinatura de um contrato “dos ricos e famosos”, por um produtor de Hollywood interpretado por nada menos que a Lena Orson Welles, e o retorno, agora na voz de todos os Muppets de Rainbow Connection.

Existe um grande mérito no trabalho do diretor James Frawley, que é focar na construção dos personagens, muito mais que na turma em si, pois os Muppets se tornam um conjunto aos poucos, sendo que essa união mesmo acontece no final. Antes de se tornarem um; Frawley fixa pelo menos alguns minutos da película, em praticamente todos os Muppets (os principais pelo menos; como Piggy, Fozzie, Rowlf, Animal, Gonzo, Beaker e por aí vai) individualmente, para que possamos verificar as características de cada um, que em posteridade se tornarão a unidade conhecida como os Muppets. Não que os personagens perdem depois a identidade particular, mas ela se ofusca pela identidade dos Muppets; e, por se tratar de um filme que vai buscar as origens do “Grupo do Arco-Íris” (Tradução mal feita do título da canção já citada aqui), a opção de Frawley se mostra muito acertada.

Dirigir e atuar com bonecos é complicado, afinal você não possui o retorno imediato de um ator “normal”, contudo esse entrave não se torna um problema aqui, tamanha a destreza de Frawley na condução dos planos e do desenvolvimento do roteiro e do elenco, principalmente Charles Durning e Austin Pendleton que são os atores humanos que mais contracenam com os bonecos Muppets. Vale destaque, além da já citada participação de Orson Welles, a participação do gênio da comédia Mel Brooks, do ator James Coburn e do ainda meio jovem Steve Martin.

O carisma dos Muppets, aliado a um detalhado trabalho, pautado principalmente em um carinho com aquilo que se estava produzindo, contribuiu; não só para que o filme entrasse para a história do cinema, mas cravou de vez no imaginário das pessoas esses bonecos, alguns bem definidos, outros nem tanto, mas todos muito presentes e queridos, e os trouxe para um meio do qual não saíram mais, haja vista o fato de que outro longa da turma está prontinho para estrear nos cinemas.

Se você ainda não encontrou o “Grupo do Arco-Íris”, não perca mais tempo, vá até a locadora mais próxima, ou melhor, vá até a loja de DVD´s mais próxima e compre o filme, o assista várias vezes, dedicando cada vez a um personagem diferente e se delicie com uma das grandes mágicas que o cinema produziu, se unindo assim de forma inevitável “aos apaixonados, aos sonhadores e a mim”. Inesquecível. 


(The Muppet Movie de James Frawley, EUA/Reino Unido - 1979)



NOTA: 9,0

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A ESPADA ERA A LEI


Uma das mais sutis, belas, simples e singelas obras dos estúdios Disney, A Espada Era a Lei sobrevive hoje como um clássico que alegra muito mais fãs saudosistas do que públicos saudosistas, algo que, aliás, acontece com a maioria das animações mais antigas, quando não existiam animações computadorizadas, e as histórias destas antiguidades se baseavam em números musicais e lições de aprendizagem, que em primeiro momento tinham o intuito de atingir as crianças, mas que levavam os adultos correnteza abaixo também.

A Espada Era a Lei tem sua base nas lendas arthurianas, e conta a história do pequeno Arthur, este sendo ainda treinado por um Merlin que sabia que o mesmo estava predestinado a algo grande, porém sem saber o que, antes de retirar a lendária Excalibur da pedra onde esta dormia e se tornar Rei da Inglaterra e líder dos Cavaleiros da Távola Redonda. A animação não adentra na vida de Arthur depois de tornar rei, se tornando então um prólogo sobre a preparação do mesmo e da Inglaterra antes de acolher seu lendário monarca. De tal modo, e por se manter apenas na infância do personagem, o filme não se utiliza da lenda para se firmar, se utilizando apenas de seu próprio roteiro e de sua querela mais “independente” para se sustentar, algo muito bom para a intenção da fita.

O filme é muito leve e muito divertido, nos remetendo ao que a Disney sempre teve de melhor, ou seja, aquele humor simples, vindo de personagens e piadas espontâneas e que levavam os espectadores ao delírio. O maior exemplo disso é a alegria e a magia do estabanado e simpático Merlin. Como se o velho mago lendário não fosse ele, por si só, extremamente engraçado, ele ainda conta com as trapalhadas de seu assistente Arquimedes, uma coruja muito astuta e ao mesmo tempo muito engraçada. Os dois com certeza seguram, em grande parte sozinhos, a bronca do longa inteiro. Os números são poucos, porém bem encaixados e bem feitos, ajudando o filme em seu andamento.

A clássica lição de moral dos filmes mais antigos da Disney está bem presente aqui, e de muitas formas, mas a que mais se repete, se torna um problema para a assimilação atual da fita, já que a tal lição simplesmente envelheceu. Eu sei que alguns discordarão de mim quanto a isto, afinal as frases dos mesmos para os perfis do Facebook, Orkut e MSN dizem o contrário e aceitam ideias parecidas com a deste filme, mas qualquer pessoa que aprofunde um pouco mais a análise sabe que isto se trata de uma das várias hipocrisias da era digital. Qualquer pessoa mais atenta e mais analítica em relação ao mundo e à juventude atual, conseguirá entender o problema que um filme que frisa “a supremacia do estudo e da inteligência sobre a força física e ao apelo passional” enfrentará. Tal premissa, inúmeras vezes repetida por Merlin no intuito de ensinar o pequeno Arthur só colabora para o caráter “envelhecido” da fita. Isso não é um defeito do filme, mas é o preço que ele paga por ainda sobreviver a uma sociedade com um defeito.

A animação tem poucos problemas; sendo um deles seu formato argumentativo que poderia ter uma dinamicidade maior, levando-se em conta principalmente o fato de se tratar de um filme basicamente infantil. Outro problema que a fita possui este já um pouco mais sério é a falta de carisma de seu protagonista, já que o pequeno Arthur é muito simples e sem muita audácia ou personalidade, sendo facilmente engolido por qualquer outro personagem da trama, mesmo quando estes são nitidamente coadjuvantes como seu padrasto Sir Ector, seu irmão de criação Kay ou a malvada e clássica madame Min. Tais problemas prejudicam um pouco a fita, porém não tiram o brilho de uma bela animação e nem a rebaixam de seu status de clássico em seu gênero.

Um ótimo trabalho, que sobrevive até hoje com o rótulo de ter sido o último filme dos estúdios Disney a ser produzido enquanto seu fundador, Walt Disney, ainda estava vivo. Curiosidades e situações à parte, A Espada Era a Lei vale cada minuto do tempo dedicado a apreciá-lo, admirá-lo e entendê-lo; afinal de contas, nenhum filme sobrevive (e sobrevive bem) quase cinqüenta anos (o filme completará cinqüenta anos em 2013) à toa. Busque suas qualidades, viva seus conselhos e aprecie seu humor e assim, você estará embrulhado em um grande filme, muito mais que isso, você se tornará cúmplice de uma grande obra.


(The Sword In The Stone de Wolfgang Reitherman, EUA - 1963)




NOTA: 8,5

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A INQUILINA


Médica de pronto-socorro que acaba de se mudar, se vê envolta a uma obsessão doentia que parte exatamente do homem que é dono do apartamento onde esta se encontra. Ao longo do filme, mesmo que de relance, percebemos que tudo foi armado pelo próprio. Essa obsessão (que não se sabe a origem) atinge níveis altíssimos, terminando de maneira trágica aquilo que já estava predestinado para tal.

A ideia parece boa? O contexto parece criar uma expectativa interessante? O elenco composto por Hilary Swank, Jeffrey Dean Morgan e Christopher Lee faz com que o filme fique ainda melhor? Em teoria tudo isto pode ser verdade, contudo, na prática o que vemos é o oposto disso. A Inquilina não é um mais do mesmo em um mundo de clichês de sustos e sombras, mas ele vai além disso, e se transforma em uma experiência simplesmente lamentável.

O filme não funciona como suspense, não funciona como drama, não funciona como romance, não funciona como terror, no final das contas, ele não funciona nem como filme, seja lá de qual gênero esta obra pretende ser. O roteiro é furado, atropela várias situações e não consegue superar limitações básicas do cinema, como escolher um personagem ou um núcleo central, ou ainda escolher um norte para a história. A verdade é que o estreante diretor finlandês Antti Jokinen, faz um trabalho horrível, tanto na construção da obra em si, quanto com a câmera nas mãos.

A fita é mal enquadrada, não possui eloquência e não consegue criar um corpo, ou seja, não se estrutura, fica cambaleando entre um argumento e outro sem tomar nenhum como fundamental ou ainda sem gerar identificação com o mesmo. Jokinen falha tanto, que transforma sua heroína em uma mulher volúvel, sem padrões e totalmente frívola, enquanto que seu “vilão” ganha a simpatia do público pela feição chorosa e convidativa de piedade. A pergunta básica é: não deveria ser ao contrário? O agressor é bonzinho e a agredida é uma pessoa ruim? Jokinen consegue a façanha de inverter os papéis, fato que coloca o personagem de Dean Morgan como o mais passível de aproximação com as pessoas, levando o espectador a torcer pelo vilão. A pergunta então se transforma: Pablo, mas não se pode torcer pelo vilão em um filme? Claro que pode, mas isso acontece pelo desejo e interpretação do espectador, e não pela imposição do filme. O suspense tem sua base na relação herói/bandido ou agressor/agredido e a simpatia do espectador se pauta em sua admiração pelo filme e não por uma inversão de roteiro. A falta de carisma da heroína neste caso faz com que o espectador necessariamente se fantasie pelo outro lado.

Os furos de roteiro são gritantes. Muita coisa não se explica e outras se mantêm por outorga do argumento da fita, isso sem contar o final lamentável e fácil. O elenco é um desperdício. Dean Morgan parece a Bela do Crepúsculo com aquela cara de quem só chora e aquele olhar de cachorro abandonado, mesmo assim, o sósia de Javier Bardem é o “menos ruim” do elenco (isso mesmo!). O gigante e ícone Christopher Lee tem um personagem completamente inútil e que só está ali para tentar amarrar algumas incongruências do roteiro, enquanto que Hilary Swank vive mais uma vez sem sucesso sua odisséia para tentar provar ao mundo que é muito mais que uma atriz dramática, fato que eu particularmente não entendo, e que só nos propiciou filmes de qualidade bem duvidosa como O Núcleo, Insônia, A Colheita do Mal entre outros.

Se quiser se manter no ramo, Jokinen primeiramente precisa aprender a dirigir, em outras palavras, precisa esquecer as tentativas feitas aqui e começar de novo, sem olhar pra trás, pois se existia uma forma de se começar a carreira com o pé esquerdo Jokinen a encontrou, e não fez só isso, ainda a abraçou, fez um carinho na cabeça e chamou de meu amor.  Minutos preciosos da minha vida que não voltam mais.


(The Resident de Antti Jokinen, EUA/Reino Unido - 2011)



NOTA: 1,5