Em 1998, o cineasta romeno Radu Mihaileanu lançava um dos grandes filmes dos anos 90, chamado Trem da Vida, ao qual eu só teria acesso poucos anos atrás. Fato este que contribuiu para meu interesse por este O Concerto, que chegou há pouco tempo no Brasil e colocou em minha mente cinéfila uma nova certeza: eis um diretor que passarei a acompanhar com mais carinho.
O filme parte de um argumento central que beira o absurdo: um ex-maestro da orquestra do Teatro Bolshoi da Rússia, que foi demitido de seu posto junto com sua orquestra pelo governante soviético Leonid Brezhnev por defender músicos judeus, “rouba” um fax do diretor do Teatro Châtelet em Paris que convidava a orquestra do Bolshoi para um concerto. Sem comunicar a verdadeira orquestra do Bolshoi o “Maestro” reunirá novamente sua orquestra e partirá para a França.
Mihaileanu constrói uma falsa sinopse, já que no fundo este elemento de confusão do filme é o pano de fundo para uma história terna e sensível sobre o poder da música, o poder da perseverança e em alguns momentos até uma fixação pela perfeição que beira a loucura. Além disso, temos um elemento de “grito de liberdade” inserido no filme que pode até passar despercebidos a olhos mais desatentos, mas que flutua por ali com um sussurro de todos os povos (incluindo os russos) que foram oprimidos e martirizados pela antiga União Soviética. O retorno do antigo Bolshoi destituído pela antiga URSS entre outros aspectos é uma clara alusão de povos que ainda estão se levantando e se reerguendo depois de um longo período de queda e sofrimento.
Deve-se, entretanto uma leve ressalva; já que para construir a sua história Mihaileanu não tem nenhum pudor em se apoiar por situações em alguns momentos muito coincidentes, ou seja, tudo acontece perante muitas coincidências, e sem muita construção lógica, no sentido pragmático da coisa. Além disso, o flerte com situações espalhafatosas e algumas cenas que beiram a “comédia pastelão” pode fazer com que o espectador não leve esta obra tão a sério como ela merece, já que, por mais que a mesma seja uma comédia e goste disso, seu fundo de seriedade é de muito brilho e até mais presente do que a própria comédia. Mesmo assim, Mihaileanu não perde a mão e constrói um filme que é sério, trata de um assunto sério, mas se caracteriza como comédia, pois suas veias cômicas se convergem entre as cenas, criando mesmo entre o absurdo e o espalhafatoso algo correto.
O elenco é excelente, a trilha sonora é simplesmente monumental, o trabalho artístico é muito detalhado mesmo que na maioria do tempo discreto e a construção do argumento, mesmo com certos desvios para o inusitado com fundo de comédia, é bem formulado e possui um grande mérito ao optar pelo simples é um momento crucial do filme, ao invés de tentar uma reviravolta tão comum atualmente, que se espera o segundo e não o primeiro, o que torna o final da fita até certo ponto incomum, porém muito feliz do ponto de vista da construção argumentativa.
Entretanto, até este momento, O Concerto se encaixaria como aquele bom trabalho que cumpria seu papel muito bem, mas sem aquele “algo mais” dos grandes filmes, fato que começa a mudar faltando cerca de catorze minutos para seu término. A cena final (que eu não vou contar, lógico) é simplesmente uma das melhores cenas que eu vi nos últimos anos. Ao som do Concerto para violino e orquestra em Ré Maior, Op. 35 de Tchaikovsky, Mihaileanu passeia com sua câmera, amarra todos os pontos do roteiro e finaliza seu filme de uma maneira simplesmente majestosa, intercalando passado e presente em um belíssimo trabalho de edição. O diretor romeno insere uma dose tão grande de sentimento aqui, que é impossível não se extasiar com o que se passa na tela. São quase catorze minutos daquilo que o cinema pode nos proporcionar de melhor e de mais prazeroso. O filme em si já valeria seu dinheiro, mas o final é com certeza a garantia de um bom investimento. Um bom filme com um majestoso final. Mihaileanu mostra de vez que é um grande diretor e em O Concerto ainda vem acompanhado de Tchaikovsky, o que me leva a realizar a seguinte pergunta: Você ainda tem alguma dúvida de qual será o seu próximo filme?
(Le Concert de Radu Mihaileanu - Bélgica/França/Itália/Romênia/Rússia, 2009)
NOTA: 8,5
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