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segunda-feira, 30 de maio de 2011

CAMINHO DA LIBERDADE


Para muitos estudiosos e curiosos sobre o assunto Segunda Guerra Mundial, nenhum lugar poderia ser pior para um prisioneiro ser enviado do que os gulags russos. Os gulags eram campos de trabalhos forçados no meio da vastidão fria da Sibéria para onde a ditadura de Stálin enviava todo tipo de preso, bastava se opor ao regime stalinista. Caminho da Liberdade o mais novo filme do veterano diretor australiano Peter Weir (de filmes como O Show de Truman, Sociedade do Poetas Mortos, Mestre dos Mares entre outros), e relata a história verídica de um grupo de prisioneiros políticos que conseguiram fugir de um gulag e passaram por situações deploráveis no seu caminho para a liberdade, em pleno conflito supracitado, mais precisamente no início da década de 40.

De tal modo, Weir conduz um filme difícil e que possui uma linha muito tênue entre o precisamente dramático e o excessivamente dramático. Em vários Weir escorrega, mas na maioria do tempo se firma do lado positivo da linha, carregando uma câmera sutil, para contrastar com um ambiente natural extremamente pesado, assim como as situações vividas. A experiência do diretor ajudou muito aqui, já que não foi a primeira vez que Weir se aventurou em épicos deste tipo, mesmo com várias diferenças, no escopo geral podemos ver elementos tanto de Mestre dos Mares quanto de Gallipoli, isso para citar apenas dois. Para ser sincero, Weir nunca demonstrou ser um diretor bem definido e com um estilo marcante, agora eu confesso que sempre do modo como este australiano consegue sutilizar seus movimentos, tudo parece tão dançante e tão leve, que seus filmes, mesmo pesados, te marcam por um sentimento pacífico e não por algo muito brusco ou cortante.

Caminho Da Liberdade possui apenas alguns problemas de roteiro, correndo muito em algumas situações (a fuga do gulag poderia ter sido mais detalhada) e se prendendo muito em outras que a meu ver não possuía essa necessidade (a passagem pelo deserto do centro-leste asiático), mas se defende com uma fotografia, uma cenografia, uma edição de som e efeitos especiais estupendos, que se aproveitam da flutuação das paisagens para alinhar um clima sensacional (as imagens da Sibéria e as representações de tempestades de neve e areia são ótimas), além do fato de que Caminho da Liberdade possui uma das trilhas sonoras mais bonitas e mais bem encaixadas que eu ouvi nos últimos tempos.

O elenco merece um parágrafo a parte. Filmes em que se tem grupos de atuações e que passam de forma coletiva pelas situações do roteiro, se mostram complexas em alguns momentos pela pluralidade dos atores de se compor quanto a tais condições. Aqui esse problema é eliminado devido ao talento como um todo e da maneira sagaz com que Weir e sua equipe formulou os personagens e os conduziu. Ed Harris está brilhante e é bom vê-lo de tal maneira, e o elenco todo faz o filme com uma paixão e com uma vontade, que até parece acreditarem mesmo nesta liberdade fora dos muros de um gulag. Tudo é muito sincero, e o filme trabalha com a importância da jornada e do ato, e se abastece de uma tese central já exposta no início do filme: muito mais que guardas, muros, armas e cães, os prisioneiros dos gulags devem lutar contra uma natureza extrema e cruel para alcançarem seus objetivos, ou seja, é um movimento circular o do filme, já que a natureza ao mesmo tempo que é vilã é heroína, já que na trajetória é dela que tiram a sobrevivência. Essa pseudo-dicotomia (se é que isso é possível) entre uma natureza que ajuda e uma natureza que atrapalha é muito delicada e Weir não a deixa explícita em nenhum momento, porém ela está ali e dá base para todo o processo do filme. A trajetória é natural, a busca pela liberdade é natural, o homem vive com e contra a natureza e deve se nutrir dela e ao mesmo tempo combatê-la. Muito mais que uma guerra bélica, Caminho da Liberdade é uma guerra humana, de si contra sua própria natureza, e as peripécias do mundo.

Estamos diante de um filme muito interessante, bonito, com um final prazeroso e ao mesmo pedagógico, até um pouco cristão, não no sentido religioso da palavra, mas comportamental (pelo menos em conceito, já que sabemos que na prática a coisa é diferente). De vez em quando é bom apreciar um filme tão bem construído, tão bem direcionado e com uma transbordo de vontade e sentimento. Tudo aqui transborda, e isto não é ruim não, já que Weir controla esse emocional de forma precisa e competente. Pode até não ser o filme mais acessível do ano, pode até não ser o melhor filme (realmente não é), mas que filmes como este, sempre são bem-vindos, mesmo que para completar um domingo a tarde, ah isso são, ainda mais para alguém como eu que tenho uma apreciação bem clara e explícita para este tipo de filme.

(The Way Back de Peter Weir, EUA - 2011)

NOTA: 8,0

segunda-feira, 23 de maio de 2011

UMA JANELA PARA O AMOR

Um caso peculiar na história do cinema, talvez esta seja a melhor denominação para Uma Janela Para o Amor do diretor James Ivory, já que estamos diante de um filme muito apreciado pela crítica, considerado por muitos um clássico do cinema, contudo, não faz parte do panteão de filmes prediletos nem de um público mais comercial e nem de um público mais alternativo, o que torna a obra de Ivory meio que sem lugar comum entre os cinéfilos, e acredito que isto se deve ao próprio modo de construção da obra.

Filmado de uma maneira muito burocrática, Uma Janela Para o Amor possui sérias dificuldades em se relacionar com o público, gerando poucos simpatizantes entre aqueles que não ligam muito para um tecnicismo maior, gostando mais dos filmes pelas sensações e movimentos que causam a ele próprio. Seria um erro e um exagero rotular este filme como uma obra fria e sem emoção, agora que a coisa é muito mais técnica e se baseia muito mais nisso do que na própria capacidade de agregar espectadores através do sentimentalismo, isto com certeza é.

Eu entendo o motivo da crítica adorar Uma Janela Para o Amor, já que Ivory é de um detalhismo e de um perfeccionismo que em alguns momentos chega até a soar exagerado, contudo, o cara sabe manter o espectador na frente da tela devido a esta perfeição. Tudo é tão bem filmado, bem enquadrado, de um bom gosto tão grande, que em alguns momentos fica difícil escolher entre que parte do cenário focar seu olhar, ou o que apreciar mais. A Inglaterra e a Itália do início do século XX são retratadas com um ar saudosista, precioso, como se tudo fizesse parte de uma tela de Monet ou de algum outro brilhante pintor impressionista. Uma direção de arte impecável, um figurino sensacional, e uma fotografia de encher os olhos, fazem de Uma Janela Para o Amor um dos mais belos filmes dos anos 80, quando o critério de análise é a parte artística.

Por outro lado, Ivory pareceu que se esqueceu de algumas coisas. O roteiro em alguns momentos recorre a resoluções fáceis, e falta profundidade, principalmente na relação que norteia o filme entre a personagem Lucy e George interpretados respectivamente por Helena Bonham-Carter (sem os trejeitos e caricaturas que adquiriu após vários papéis excêntricos nos filmes de seu marido Tim Burton) e Julian Sands. A química entre os dois é muito curta e as coisas acontecem rápidas demais e entre intervalos muito grandes, Nenhum dos dois atores convence de verdade o espectador de que há paixão ou amor em tudo aquilo, fazendo com que na maioria das situações prevalece um clima gélido no filme, o que faz com que o personagem menos deslocado da situação seja o aristocrata noivo de Lucy, Cecil Vyse muito bem interpretado por um jovem, porém já talentoso Daniel Day-Lewis. O outro destaque do elenco vai para a ótima Maggie Smith como a prima Charlotte cheia de pudores e perdões. Judi Dench faz uma pequena ponta e muito bem, diga-se de passagem.

.De um jeito ou de outro, Uma Janela Para o Amor é um grande filme, contudo lhe falta um pouco mais de acessibilidade. A obra de Ivory em alguns momentos me parece aqueles livros hiper-técnicos sobre informática (ou qualquer outro elemento científico, a idéia aqui é o aspecto tecnicista da coisa), que será muito bem recebido por quem é profissional da área, mas jamais seria apreciado por pessoas que usam o computador por lazer, ou gostam de informática sem serem profissionais. Como este ser que vos fala não é profissional, mas aprecia uma obra bem feita e correta, mesmo que peque em alguns aspectos, eu ainda recomendo Uma Janela Para o Amor, afinal nada me garante que o filme capture emoções em outras pessoas que eu não consegui perceber.

( A Room With A View de James Ivory, Reino Unido - 1985)


NOTA: 7,5

quinta-feira, 19 de maio de 2011

FILMES MELHORES QUE OS LIVROS DOS QUAIS FORAM ADAPTADOS

A relação cinema-literatura começou quase ao mesmo tempo em que o início do cinema, e gerou obras sensacionais da mesma forma que já gerou obras medíocres. A literatura sempre foi um prato cheio para roteiristas e fãs de cinema, e as adaptações de obras clássicas sempre esperadas por cinéfilos com grande entusiasmo. Todavia, o que ouvimos e vemos com freqüência é aquela velha máxima de que um filme jamais conseguirá superar o livro ao qual teve sua adaptação firmada. Mesmo isto sendo uma verdade na grande maioria dos casos, algumas obras cinematográficas conseguiram se sair melhor e mais completas que a obra literária que lhe deu origem, eliminando aqui aquela velha discussão entre adaptação e reprodução literal, já que o cinema não tem muito a intenção de reproduções literárias literais, até por que, me parece até algo impossível, devido à diferença de espécie entre as artes. De tal maneira, após muito pensar selecionei alguns filmes, que em minha opinião superam os livros dos quais foram adaptados. Os apresentarei ao longo dos dias em posts separados e começarei com o primeiro selecionado. Vamos lá então:


FORREST GUMP – O CONTADOR DE HISTÓRIAS

LIVRO: WINSTON GROOM – 1986


FILME: ROBERT ZEMECKIS – 1994


O filme não só é mais famoso, como é uma obra muito mais completa, firme e interessante que o bobo e muitas vezes estúpido livro de Groom. O roteirista Eric Roth não só consegue a façanha de aproveitar o que o livro tem de bom, como também se aproveita de uma grande perspicácia para excluir situações chatas e substituí-las por situações muito melhores. O livro de Groom tem uma narração até certo modo infantil, uma tendência a ridicularizar os personagens além de se apegar a modelos pré-determinados e situações em alguns momentos preconceituosas. Roth elimina isso e cria um roteiro gostos, divertido e se utiliza de estereótipos não de forma preconceituosa, mas de forma pedagógica e carinhosa. A verdade é que enquanto o filme é um a experiência sensacional, o livro não passa de uma literatura supérflua e totalmente descartável, por mais rápida e simples que seja, já que a linguagem é bem coloquial (às vezes até em excesso) e por sua vez bem acessível. Roth conseguiu transformar uma obra literária mediana com momentos ruins em um dos melhores e mais marcantes roteiros da história atual do cinema. Forrest Gump – O Contador de Histórias é com certeza uma daquelas obras que se você ler o livro primeiro pode não se interessar pelo filme, agora quando se vê o filme primeiro como eu fiz e depois se lê o livro, é impossível não perceber a proeza realizada por Groom. Se Groom não conseguiu colocar a história de Forrest entre os grandes clássicos da literatura, pelo menos Roth com a direção de Robert Zemeckis e a incrível atuação de Tom Hanks elevaram o padrão da novela e a colocaram no status de clássico, mesmo que seja de uma arte que Groom não se apresenta. Veja o filme sem medo, agora o livro, só se o tempo livre estiver longo mesmo.

NOTA LIVRO: 5,5

NOTA FILME: 10,0

terça-feira, 17 de maio de 2011

TIO BOONMEE, QUE PODE RECORDAR SUAS VIDAS PASSADAS




Assistir a um filme como Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas não é uma experiência muito sóbria. Mas é interessante entrar em contato com a maneira com que outras culturas lidam com temas como espiritualismo e vida após a morte. Neste filme, os personagens encaram o assunto com muita naturalidade. Eu não sei se trata de uma característica da cultura da Tailândia (lugar de origem do filme), ou se é um caso particular, a partir de uma visão pessoal. Essa dúvida surge, porque Tio Bonmee é cinema autoral. O diretor Apichatpong Weerasethakul consegue imprimir a uma história muito simples, excentricidade e estilo na maneira de filmar e conduzir as cenas.

O personagem título é um homem com não mais de cinqüenta anos de idade que está perto da morte devido a uma doença no rim. Ele é dono de uma pequena propriedade rural que pretende passar para a irmã (a personagem mais simpática da história). O agricultor começa a receber visitas de espíritos de pessoas que já morreram e contam histórias de outras vidas.

As cenas são extremamente inverossímeis e nunca há uma certeza de que aquilo realmente está acontecendo. Mas há sequencias memoráveis como a visita do gorila de olhos vermelhos à mesa de jantar ou a mulher que tem uma experiência sexual com um bagre em uma cachoeira.

A projeção é a todo tempo lenta, silenciosa e proporciona um sentimento de introspecção no espectador. Com certeza não é um filme que vai agradar a todos. Mas é de uma beleza visual e uma poética narrativa impressionante.


(Lung Boonmee Raluek Chat de Apichatpong Weerasethakul, Tailândia - 2010)


NOTA: 7,5

segunda-feira, 16 de maio de 2011

ESQUIZOFRENIA - ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO




A doença de caráter psicológico dispensa apresentações, ainda mais depois do sucesso do filme Uma Mente Brilhante, que trabalha tão bem com o tema. Sendo assim, não ficarei aqui realizando uma mini explicação do caráter do palavrão do título deste pseudo-suspense com toques de drama ora familiar ora individual. O filme é a busca de um pai por sua filha desaparecida, sendo que esta sumiu após pouco tempo de distração deste pai. De tal modo que, Esquizofrenia é toda a “caçada” de um pai extremamente desesperado atrás desta filha desaparecida.

O filme tem toques de psicodelismo, e em alguns momentos parece até apelar para um lado um pouco mais cruel da existência humano, mostrando períodos de decadência do pai, que beiram muito mais a própria depressão louca do que a esquizofrenia, o que me leva a levantar o problema mais sério que este filme possui que é exatamente a idéia central: afinal o quanto tudo o que acontece com o personagem William Kane (o pai) é fruto de sua esquizofrenia e o quanto é fruto apenas de uma busca louca por um ente perdido? Só que aí é que está: este problema não é criado pelo filme em si, mas pelo “esperto” que resolveu nomear por Esquizofrenia – Entre o real e o imaginário, um filme que tem como título original apenas o sobrenome do personagem central, ou seja, Kane.

Meu ponto é o seguinte: Um filme com o título de Esquizofrenia já leva o espectador a analisar o filme pelo puro aspecto da doença, ignorando o que pode ser apenas uma ação comum do personagem, justificando tudo pela doença, algo que para mim, não se sustenta, haja vista, que assim que o personagem Kane vai se acalmando do momento inicial da perda, seu comportamento não tem nada de esquizofrênico, ao contrário, ele se torna extremamente solícito, calmo e pensante. Se o título do filme fosse Kane, com certeza o espectador se envolveria muito mais com o filme por tentar entender até onde vai à esquizofrenia do personagem e até onde o negócio é puramente humano mesmo. Eu já tinha visto títulos em português ridículos, agora um que interferisse tanto na interpretação e envolvimento com o filme em si por parte do espectador, é a primeira vez.

Bom, mas como eu disse isto não é culpa do filme, então passemos a falar da obra em si. Filmado de forma crua, com a câmera na mão o tempo todo e esta fixada no personagem William Kane (muito bem interpretado por Damian Lewis), o diretor Lodge Kerrigan praticamente planta a câmera no rosto deste, como se quisesse levar o espectador para dentro da mente e do sofrimento de um homem que luta contra uma doença e ao mesmo tempo contra um acontecimento que altera sua vida e de forma bem forte. A dualidade esquizofrenia e não-esquizofrenia se colocam bem ao longo do filme, deixando um clima de interpretação interessante para o espectador (eliminando os detalhes tratados anteriormente nesta crítica), levando-o a tentar entender exatamente onde está a esquizofrenia e onde está apenas uma atitude mais humana, de um homem não-doente.

Apesar de interessante e com um clima bem duro, que me lembrou em alguns momentos o cinema do centro-leste europeu principalmente da região báltica, Esquizofrenia tem alguns problemas de andamento e situações desnecessárias, que em alguns momentos prejudica demais a assimilação da busca e do problema do personagem pelo espectador. O início do filme é mais complicado, crescendo e melhorando muito com a aparição da menina Kira, interpretada por Abigail Breslin com o mesmo carisma que a consagrou em Pequena Miss Sunshine e Sinais, e que a transformou em uma das grandes promessas mirins do cinema atual. A relação de Kane e Kira, que se desenrola e que desembocará em um bom e interessante final é o ponto alto do filme, e que colabora para uma significativa melhora da obra, o que leva ao meu ponto inicial sobre o título; já que os resquícios e atitudes esquizofrênicas neste ponto da película são praticamente nulas, em outras palavras, naquele que para mim é ponto mais alto e mais importante de Esquizofrenia, a doença vira coadjuvante, e de propósito, algo que seria muito mais apreciado por um espectador que não tivesse sido direcionado por um título mal definido.

De todas as maldades de títulos nacionais que eu já vi fazerem com algumas obras, esta aqui adquire um caráter diferenciado, pois interfere muito no funcionamento da fita e o resultado é que o público brasileiro pode não captar e sentir tudo aquilo que o diretor Lodge Kerrigan quis passar, o que é uma pena, pois a coisa realmente soa interessante em alguns momentos, mas uma hora ou outra isso tinha que acontecer, basta ver que ainda vivemos em um país onde o filme dublado reina, mesmo com todos os problemas explícitos de tal modelo. Como tudo por aqui, alguns fazem a besteira e todos pagam por isso.


(Kane de Lodge Kerrigan, EUA - 2004)


NOTA: 7, 0

segunda-feira, 9 de maio de 2011

PACTO DE SANGUE



Billy Wilder dispensa apresentações. É um dos diretores mais renomados e mais competentes que já se apossou de uma câmera. Não obstante, Wilder também é culpado por uma versatilidade fora do comum, pois possui um tempo de filmagem que consegue se destacar e se encaixar em vários estilos de filmes; visto o fato de que dirigiu ao longo de sua carreira grandes filmes de vários gêneros como  comédias (Quanto Mais Quente Melhor, Sabrina), dramas no real sentido da palavra (Farrapo Humano, Crepúsculo dos Deuses), filmes com uma temática mais política e crítica ( A Montanha dos Sete Abutres) entre várias outras pérolas dos mais variados gêneros cinematográficos. Este texto então, analisará uma das mais complexas e ao mesmo tempo umas das mais cativantes obras de Wilder que atende pelo nome de Pacto de Sangue; um noir típico do seu início até o ponto final.

Para muitos, Pacto de Sangue é o melhor filme deste tão peculiar estilo, fato que eu discordo, já que considero filmes como Relíquia Macabra e até mesmo Chinatown, obras mais completas. Todavia, isto não quer dizer que não possuo apreço ou admiração por esta obra de Wilder, a única coisa, é que talvez existam alguns entre pontos que me fazem retirar um pouco esta aura de perfeição que alguns atribuem a esta fita. Antes de minha opinião, como de praxe, uma breve sinopse. Corretor de seguros (Fred MacMurray) arma plano para assassinar um de seus clientes: seu cúmplice? A esposa deste homem (Barbara Stanwyck), que começa um romance com o corretor e que juntos pretendem roubar o dinheiro do seguro e fugirem para viverem juntos. Não preciso nem dizer, que as coisas não saem como planejado e o filme vai perpassando todo este movimento.

Wilder conduz a fita com muita perspicácia e por que não dizer com muito cuidado. Tudo é bem entrelaçado e montado, mostrando o quanto Wilder se preocupou em não deixar passar em seu filme, um defeito até certo ponto comum em filmes deste tipo, ou seja, incongruências e contradições de roteiro, e o cuidado deu resultado, já que o roteiro conduz o espectador a uma trama cativante, plausível e que consegue criar no espectador flutuações que variam deste o suspense, até momentos mais românticos e melodramáticos. As reviravoltas do roteiro, são realmente surpreendentes e não soam nem um pouco forçadas, gerando surpresa no espectador naturalmente, não tentando enfiar algo com toda a força possível. Ponto para Wilder, que consegue esconder bem o jogo, sem perder a linha e sem levar o espectador a desistir de uma trama que caminhava para um clichê, mas que acaba valendo a pena com seu final monumental.

No que depende de Wilder, o filme realmente impressiona, entretanto Pacto de Sangue tem alguns problemas. Não gosto do trabalho de fotografia, o acho muito escuro e em alguns aspectos pesado demais para o clima que o filme quer criar,  a trilha sonora, por sua vez acaba soando um pouco falsa em algumas cenas, além de um Fred MacMurray muito caricato e trejeitoso. Seu personagem tem sempre os mesmos movimentos e sua expressão não muda, mesmo quando este altera seu estado físico para uma situação de pré-morte, além do clássico "baby" finalizando qualquer frase dita à personagem de Barbara Stanwyck, que a mim particularmente irritou. Ao contrário de MacMurray, o restante do elenco conduz muito bem a fita, com destaque para a própria Stanwyck que está muito estável e firme em um papel de personalidade dúbia e alternante e para o impagável Edward G. Robinson como o chefe do personagem de MacMurray.

Pacto de Sangue carrega o status de clássico absoluto, posto que aliás eu não questionei em nenhum momento, até por que, reconheço a importância e a qualidade de tal obra, e por mais que eu não a considere perfeita, indico-a sem pestanejar, pois se trata de um ótimo filme dirigido por um grande diretor, e por mais que possua alguns defeitos, isso já basta para qualquer leitor retirá-lo das prateleiras da locadora mais próxima.


(Double Indemnity de Billy Wilder, EUA - 1944)


NOTA: 8,5

terça-feira, 3 de maio de 2011

INCÊNDIOS


Dentre os cinco candidatos ao Oscar de filme estrangeiro deste ano, dois eu nem me lembro mais (e não vou buscar o nome na internet para tapar essa ignorância e passar de sabichão), já que eram filmes totalmente coadjuvantes na disputa; todavia, os outros três dividiam opiniões. O vencedor foi o dinamarquês Em Um Mundo Melhor que é o único destes três citados que eu não vi, os outros eram Biutiful do diretor Alejandro Gonzalez Iñarritú e este drama canadense que atende pelo nome de Incêndios.

Eu até gostei de Biutiful o que já foi contra grande parte da crítica, agora tenho que admitir: Incêndios é um filme bem mais encorpado, consistente e preciso, em outras palavras, um filme melhor. O filme gira em torno da busca dos gêmeos Jeanne e Simon pelo pai e pelo irmão, os quais eles ganharam conhecimento da existência destes, através de um enigmático testamento da mãe, que havia acabado de falecer. A partir disto, o filme muda de foco, e se transporta do Canadá para o Líbano, onde são passados 90% da fita.

Incêndios é uma fita dura, complexa em muitos momentos e exige muito do espectador, tanto no aspecto visual quando conectivo do roteiro, já que este ignora uma ordem cronológica, e prefere contar a história de forma intercalada, unindo passado e presente. A fotografia e a cenografia retratam a palestina da forma mais cruel e mais intensa possível, e o toque pessimista do roteiro aliado ao comum excesso dramático do cinema canadense levam o espectador a sensações convulsivas ao longo de pouco mais de duas horas.

Deve-se deixar claro que tudo isso é muito bem planejado e muito bem executado pelo diretor Denis Villeneuve que consegue criar uma conexão entre filme e espectador com muita sutileza e com muita eficiência, apesar de uma excessiva frieza em alguns momentos. Villeneuve elimina a diferença espacial ao levar os gêmeos para a terra natal da mãe, e trabalha com a questão temporal de forma brilhante. A mãe e os filhos, o Líbano de ontem e o de hoje, os problemas antigos e atuais, até onde algo foi alterado? Até onde as cicatrizes de uma época são carregadas e influenciam as coisas. A jornada dos personagens é marcada por reações que se apropriam de seu tempo em acidentes, porém no corpo não se diferem muito.

O trabalho de edição e de direção de Villeneuve, realizando essa intercalação consegue ao mesmo tempo colocar o espectador como acompanhante da história e como atuante, ao tentar compreender e analisar tudo aquilo. A descoberta dos filhos de que sua mãe na verdade era muita mais que uma secretária, e que mediante a isso, em sua terra natal foi vítima e assassina, foi estuprada, ativista religiosa, mãe, neta, prisioneira, estudante, amante e praticamente se tornou uma celebridade é um movimento extremamente delicado e bem articulado, e vai gerando uma força de evolução ao filme muito coesa e que desemboca em um final que por mais cruel e pessimista que possa parecer, é simplesmente espetacular.

Incêndios é muito certinho, bem delineado e tinha muito tempo que eu não via um filme tão correto ao contar uma história, tendo em vista que; por mais que a cronologia em si, seja deixada um pouco de lado; a fita tem seu começo, meio e fim muito bem definidos e a divisão por capítulos lembrando em alguns momentos os filmes de Lars Von Trier, unindo o passado e o presente em um pedaço da fita, através das personagens e da localização faz da direção de Villeneuve um trabalho realmente digno de admiração.


Bem atuado, bem contado, bem construído, com função crítica, com assuntos relevantes e que devem ser debatidos, este drama canadense mereceria muito mais palavras e linhas do que eu dedicarei aqui, por acredito que o restante deve ser visto por si só, já que este é o tipo de filme que deve ser visto, e que uma crítica não consegue englobar tudo o que ele traz em seu conteúdo, pelo menos não sem realizar injustiças com detalhes do todo. Incêndios é um grande filme, e novamente eu só lamento o fato de circular apenas em meios alternativos, afinal, não é um filme de diversão e entretenimento, e o cinema, pelo menos o comercial, tem cada vez mais ignorado os filmes que não se encaixam nestas duas categorias, por melhor que eles sejam. 


(Incendies de Denis Villeneuve, Canadá - 2011)


NOTA: 8,5

domingo, 1 de maio de 2011

EM UM MUNDO MELHOR


A categoria de melhor filme estrangeiro do Oscar tem premiado nos últimos anos verdadeiras joias do cinema como O Segredo dos Seus Olhos, A Partida e A Vida dos Outros. Então é claro que a expectativa em torno do vencedor do prêmio esse ano – Em um Mundo Melhor – era muito grande. O filme rendeu à diretora dinamarquesa Susane Bier (de Coisas que Perdemos Pelo Caminho) a estatueta dourada porque se trata de um drama muito sólido, bem construído e com um tratamento muito sensível a um tema que muito facilmente cai no lugar comum – o bullying.

Temos a história de dois pré-adolescentes que estão passando por traumas tanto no ambiente familiar quanto na sociedade. Elias está assistindo ao divórcio dos pais enquanto Cristian sofre pela recente perda da mãe a um câncer. Os garotos ainda sofrem com a violência dos valentões da escola. Mas a situação muda quando Cristian decide reagir e espanca um colega da escola com uma bomba de encher pneus de bicicleta. A vingança funciona: os valentões do colégio passam a respeitar o garotos antes fragilizados. Mais tarde, os jovens também presenciam uma cena de violência contra o pai de Elias, Anton, um médico que divide o tempo entre a família na Dinamarca e o trabalho voluntário em uma aldeia no Sudão. Diante do exemplo na escola, os garotos decidem se vingar pelo pai de Elias, arquitetando um plano de vingança que, é claro: tem tudo para dar errado. E vai dar errado.

O que o filme tenta provar aqui é que quando se paga violência com violência o resultado nunca é bom. Mas não é doutrinação ou pregação de moral e bons costumes. Há um respeito à inteligência do espectador, deixando a mensagem de que a impunidade também não é a solução. Em um trecho episódico em meio à história, vemos o personagem Anton em uma viagem ao Sudão, diante de um dilema: oferecer ou não tratamento médico a um chefe de guerrilha que vem atacando mulheres grávidas da aldeia. Mesmo sabendo se tratar de um assassino, Anton cuida do homem ferido. O que causa certa indignação, tanto aos habitantes da vila, quanto ao espectador. Mas ao perceber que mesmo diante de sua solidariedade a atitude do homem não muda, Anton muda de ideia e dá início a um linchamento ao assassino.


Trata-se de um ótimo filme, que discute sentimentos como rancor e vingança. Mas não é nem de longe o melhor filme falado em língua não inglesa esse ano. Portanto, é bom diminuir as expectativas, pois, elogios a parte, Em Um Mundo Melhor aqui foi superestimado pela crítica internacional.


(Haevnen de Susanne Bier - Dinamarca, 2010)



NOTA: 7,0