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terça-feira, 3 de maio de 2011

INCÊNDIOS


Dentre os cinco candidatos ao Oscar de filme estrangeiro deste ano, dois eu nem me lembro mais (e não vou buscar o nome na internet para tapar essa ignorância e passar de sabichão), já que eram filmes totalmente coadjuvantes na disputa; todavia, os outros três dividiam opiniões. O vencedor foi o dinamarquês Em Um Mundo Melhor que é o único destes três citados que eu não vi, os outros eram Biutiful do diretor Alejandro Gonzalez Iñarritú e este drama canadense que atende pelo nome de Incêndios.

Eu até gostei de Biutiful o que já foi contra grande parte da crítica, agora tenho que admitir: Incêndios é um filme bem mais encorpado, consistente e preciso, em outras palavras, um filme melhor. O filme gira em torno da busca dos gêmeos Jeanne e Simon pelo pai e pelo irmão, os quais eles ganharam conhecimento da existência destes, através de um enigmático testamento da mãe, que havia acabado de falecer. A partir disto, o filme muda de foco, e se transporta do Canadá para o Líbano, onde são passados 90% da fita.

Incêndios é uma fita dura, complexa em muitos momentos e exige muito do espectador, tanto no aspecto visual quando conectivo do roteiro, já que este ignora uma ordem cronológica, e prefere contar a história de forma intercalada, unindo passado e presente. A fotografia e a cenografia retratam a palestina da forma mais cruel e mais intensa possível, e o toque pessimista do roteiro aliado ao comum excesso dramático do cinema canadense levam o espectador a sensações convulsivas ao longo de pouco mais de duas horas.

Deve-se deixar claro que tudo isso é muito bem planejado e muito bem executado pelo diretor Denis Villeneuve que consegue criar uma conexão entre filme e espectador com muita sutileza e com muita eficiência, apesar de uma excessiva frieza em alguns momentos. Villeneuve elimina a diferença espacial ao levar os gêmeos para a terra natal da mãe, e trabalha com a questão temporal de forma brilhante. A mãe e os filhos, o Líbano de ontem e o de hoje, os problemas antigos e atuais, até onde algo foi alterado? Até onde as cicatrizes de uma época são carregadas e influenciam as coisas. A jornada dos personagens é marcada por reações que se apropriam de seu tempo em acidentes, porém no corpo não se diferem muito.

O trabalho de edição e de direção de Villeneuve, realizando essa intercalação consegue ao mesmo tempo colocar o espectador como acompanhante da história e como atuante, ao tentar compreender e analisar tudo aquilo. A descoberta dos filhos de que sua mãe na verdade era muita mais que uma secretária, e que mediante a isso, em sua terra natal foi vítima e assassina, foi estuprada, ativista religiosa, mãe, neta, prisioneira, estudante, amante e praticamente se tornou uma celebridade é um movimento extremamente delicado e bem articulado, e vai gerando uma força de evolução ao filme muito coesa e que desemboca em um final que por mais cruel e pessimista que possa parecer, é simplesmente espetacular.

Incêndios é muito certinho, bem delineado e tinha muito tempo que eu não via um filme tão correto ao contar uma história, tendo em vista que; por mais que a cronologia em si, seja deixada um pouco de lado; a fita tem seu começo, meio e fim muito bem definidos e a divisão por capítulos lembrando em alguns momentos os filmes de Lars Von Trier, unindo o passado e o presente em um pedaço da fita, através das personagens e da localização faz da direção de Villeneuve um trabalho realmente digno de admiração.


Bem atuado, bem contado, bem construído, com função crítica, com assuntos relevantes e que devem ser debatidos, este drama canadense mereceria muito mais palavras e linhas do que eu dedicarei aqui, por acredito que o restante deve ser visto por si só, já que este é o tipo de filme que deve ser visto, e que uma crítica não consegue englobar tudo o que ele traz em seu conteúdo, pelo menos não sem realizar injustiças com detalhes do todo. Incêndios é um grande filme, e novamente eu só lamento o fato de circular apenas em meios alternativos, afinal, não é um filme de diversão e entretenimento, e o cinema, pelo menos o comercial, tem cada vez mais ignorado os filmes que não se encaixam nestas duas categorias, por melhor que eles sejam. 


(Incendies de Denis Villeneuve, Canadá - 2011)


NOTA: 8,5

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