Voltei ao cinema pela segunda vez em menos de uma semana para conferir uma animação. Não ao mesmo cinema, e logicamente não ao mesmo filme. Desta vez, optei por me dirigir a um cinema mais alternativo, sem muito apelo comercial e que normalmente exibe filmes que condizem com esta característica. Assim sendo, fui conferir a nova animação de Sylvain Chomet e que conta com roteiro em forma de adaptação do lendário Jacques Tati, e que atende pelo nome de O Mágico.
Chomet já havia me cativado muito com o brilhante As Bicicletas de Belleville, e novamente me tocou profundamente com este seu novo trabalho. Ao contrário de Rio, que me causou raiva no cinema, O Mágico enche o espectador de sentimentos incríveis; o filme é simples, sensível, tocante e extremamente nostálgico, se utilizando de uma atmosfera afetuosa em todo o seu antro, e cada vez mais está perdida no mundo da animação, dominado por novas tecnologias e adereços. Não há nada aqui de atual, já que O Mágico é todo desenhado de maneira um pouco disforme e desconexa. Ruim isso não? Com certeza não. Os traços casam de forma precisa com a intenção do diretor e colorem de forma sensacional o argumento de Tati, isso sem contar nas belíssimas imagens da costa escocesa retratadas de forma estupenda.
O Mágico conta a história de um mágico meio decadente, meio periférico e sua odisséia por se firmar na profissão. Em um show em uma pequena vila no interior da Escócia, ele conhece uma menina que passa segui-lo e a viver com ele, em uma relação parecida com paternidade. O filme então perpassa a vida dos dois, e é neste ponto que Chomet insere seu grande trunfo: o filme é um dos melhores retratos que eu já vi do antagonismo entre fantasia e realidade. A fita se passa quase toda na relação entre a menina fantasiosa que quer se transformar em uma princesa dos contos de fada, e o mágico realista, que tem que trabalhar para bancar os sonhos da menina.
Extremamente nítido, Chomet constrói uma personagem que vai aos poucos se transformando literalmente em uma princesa clássica, com um vestido parecido com o da Branca de Neve, o sapato de Cinderela e lógico o Príncipe Encantado e deixando suas origens mais brejeiras. Enquanto isso, o Mágico trabalha para conseguir bancar tudo isso, já que a menina acredita que ele pode conseguir todas as coisas através de sua mágica. Essa dualidade magia-realidade é feita de uma forma tão sutil, mas ao mesmo tempo tão precisa que se constrói sem falas, apenas com gestos, movimentos e interjeições, no máximo com pequenos diálogos que nem traduzidos são, e que resultam em um final brilhante, simbólico e cheio de carisma.
Apesar de ser uma animação, O Mágico não é recomendado para crianças, já que sua temática é adulta, e por muitas vezes, há um clima meio depressivo que permeia o filme. Não que crianças não possam ter acesso a este tipo de sensação, mas a construção técnica do filme, quase sem diálogos e com uma forma de animação meio “atrasada” não deve agradar muito as crianças de hoje em dia, o que só mostra que o mundo de fantasia está realmente presente nas entranhas do mundo real, além do fato de que muitos adultos podem tomar um belo soco no rosto ao se identificar com um personagem que tenta manter um mundo que não existe, e que quase o leva à ruína.
Chomet acerta novamente, e cria uma animação cheia de brilho e de personagens interessantes. Defeitos? Talvez o fato de ser pouco acessível e de ser bem curto. Uma animação incrível, admirável, afinal da união de Chomet e Tati, dificilmente sairia algo que não se encaixasse em adjetivos deste tipo.
(L'Illusionniste de Sylvain Chomet, 2011)
NOTA: 9,0
Acabei de ver o L'Illusionnist justamente no aniversário dos 125 anos de Chaplin. Que belíssima homenagem a Luzes da Cidade & Luzes da Ribalta. É um filme chapliniano do começo ao fim.
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