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domingo, 10 de abril de 2011

MEU ADORÁVEL VAGABUNDO

Os filmes de Frank Capra são acusados por muitos críticos e fãs de envelhecimento, ou seja, muitos dizem que os filmes de Capra já não funcionam mais, e que ostentam bandeiras e ideais que não condizem mais com os instrumentos sociais e principalmente com a realidade do ser humano. A verdade, é que eu concordo plenamente com isto. Assistir a um filme de Capra, é presenciar algo totalmente deslocado e eliminado da sociedade atual, entender e captar os ideais e pensamentos expressos por Capra em seus filmes, traz sensações e nuances quase não vistas mais nos dias de hoje; culpa de Capra? Não. Culpa da sociedade atual.

Frank Capra é um dos poucos diretores que tem um estilo tão marcante e uma visão de cinema tão precisa, que com 10 minutos de filme já temos certeza de se tratar de mais uma fita capriana, e já sabemos o que esperar no escopo geral, apesar de sempre haver surpresas nas pequenices que permeiam o cinema do diretor. Adorável Vagabundo, pega carona em todo o otimismo e preciosismo de um diretor que não envelheceu não, mas colocado de lado, por defender ideias que hoje em dia parecem cada vez mais piegas, bobas e ingênuas. Quais ideias são estas? Otimismo, humanidade, respeito, amizade, confiança, e várias outras coisas que não tem importância nenhuma para se viver no mundo atual, já que o importante mesmo é ter sempre um celular ultra-moderno, twittar (é assim que se escreve?) centenas de vezes por dia, e aconselhar seu amigo triste pela internet, porque ir até lá é chato. É por estes e outros zilhões de motivos , que assistir aos filmes de Capra, cheios de risos, alegrias, pulinhos e coisas assim, é uma experiência para poucos, já que nem todo mundo consegue perceber a real mensagem deste gênio. Eu sou um fã do diretor, e isto não se deve ao fato de comungar de todos os seus ideais rousseaunianos e leibnizianos, e nem de acreditar em toda a beleza que o diretor encontra nas coisas, eu respeito isto, mas, assim como Capra, sofro as consequências de ser alguém que ainda não se adequou a um mundo desprovido de humanidade, fazendo com que eu pelo menos consiga entender o que Capra pretende, mesmo não concordando.

Após minha pequena defesa do diretor, falo agora da obra Adorável Vagabundo em si. Jornalista demitida de um jornal, em momento de raiva, cria uma carta "quase-suicida" assinado por um fictício John Doe, que anunciava seu suícido em plena noite de Natal. A carta causa frenesi na população, e a jornalista recupera seu emprego, e juntamente com o dono do jornal, contrata um mendigo para se tornar John Doe, e interpretar enquanto a jornalista escreve cartas diárias de como o tal John Doe se sente triste por um mundo cheio de violência, brigas, e de como as pessoas deveriam se unir.O que não estava nos planos era que os próprios envolvidos acabassem se envolvendo com o ideal pregado.

Em resumo, que já viu algum filme de Capra, já encontra na pequena sinopse acima, todo o esquema e o método parabólico bem definido do cineasta. Adorável Vagabundo parte de uma ideia, a desconstrói totalmente com a intenção de mostrar o como ela tem problemas, e depois a constrói novamente, amarrando e consertando tudo aquilo que é necessário, para transformá-la na ideia central, que sempre (pelo menos dos filmes do diretor que eu vi), vem regadas de muito sentimentalismo, arrependimento, superação e um otimismo descomunal.

Capra guia os atores de forma magistral, e consegue incluí-los neste método difícil, porém de resultados avassaladores, basta ver a sensacional interpretação de Gary Cooper como o falso John Doe, e como ele vai crescendo no personagem, e de certo modo antropomorfizando de forma única o método indicado anteriormente. Coadjuvantes ótimos e diálogos precisos, bem encaixados e de uma beleza realmente grande e cativante, gerando ótimas sensações no espectador e indo muito além da baboseira estúpida dos atuais livros de auto-ajuda; aqui a mensagem é propagada de forma concisa e simples, do jeito que deve ser.

Adorável Vagabundo é um Capra do começo ao fim, e de tal modo, um filme interessante do começo ao fim. Mesmo não se tratando da melhor obra do diretor, Adorável Vagabundo cumpre certinho seu papel, cativando o espectador e mostrando mais uma vez que Capra não envelheceu, foi o mundo que "emburreceu", e não o compreende mais, ou talvez nunca o tenha compreendido.


(Meet John Doe de Fran Capra, 1941)


NOTA: 8,5

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