Sexta-feira, noite, clima quente e sem possibilidade de chuva, Londrina-PR. Eis que ao invés de me dirigir a minha aula na UEL, resolvo levar minha namorada para um sessão de cinema no shopping local. Chegando lá, eu e minha digníssima nos defrontamos com um dilema poucas vezes vistos em minha curta porém já virtuosa vida de cinéfilo, já que ao olharmos para os painéis eletrônicos da entrada do cinema nos deparamos com as seguintes possibilidades: Sem Limites, As Mães de Chico Xavier, Sucher Punch, Esposa de Mentirinha, Fúria Sobre Rodas e Rio. Utilizando-me da ironia que tem aparecido por aqui principalmente nos posts de meu amigo Ciro, me vi simplesmente maravilhado com tantas opções de "qualidade". Decidimos então conferir a mais nova animação de Carlos Saldanha que atende pelo nome que você leu no título deste texto, e para minha total surpresa, Rio não é um filme ruim, ele não é nem sequer um filme, pelo menos não na definição que eu conheço.
Em 1954, foi lançado um filme chamado A Fonte Dos Desejos, que foi acusado de se tratar de um filme propaganda, e que parecia possuir apenas a clara intenção de atrair turistas para a Itália, bem, quando for assistir a esta animação, leve isto contigo, pois você está diante do segundo exemplar desta espécie (sem trocadilhos com o filme, e pelo menos dos filmes que eu conheço).
Carlos Saldanha, dirige esta animação, e vinha com o crédito adquirido pelo ótimo trabalho na trilogia de A Era Do Gelo, entretanto, o escorregão foi tão grande, mas tão grande, que fica difícil perceber até onde a mão de Saldanha interferiu em A Era do Gelo, ou até onde a preciosidade da ideia fez com que a coisa se desenvolvesse por si só, já que Saldanha mostra aqui defeitos e manias que não apareceram em nenhum momento na trilogia acima citada.
Rio é um filme manipulativo, saudosista (no mau sentido), ideológico, ingênuo e estúpido, isto para não listar outros adjetivos de caráter negativo. Os diálogos são desinteressantes, existem poucas cenas engraçadas ou que lampejem inteligência, e os bons momentos da fita, parecem ter sido uma cópia meio disfarçada de animações de sucesso como Madagascar, Procurando Nemo e Como Treinar o Seu Dragão, além de todo o aparato clichê envolvido, já que a partir do vigésimo já sabemos como tudo aquilo vai terminar; e como se não bastasse, o filme tem alguns números musicais simplesmente sofríveis.
Todavia, estes aspectos apenas transformariam Rio em uma animação que deslizou, entretanto, a coisa é muito pior, já que a animação de Saldanha é apologética e defensora do "Rio way of life". Tudo aqui gira em torno de praia, favela e carnaval, que afinal é "a maior festa do mundo" segundo o próprio filme. Saldanha constrói um filme para cariocas e americanos que acreditam que o Brasil é um grupo de favelados (no sentido preconceituoso da palavra, e não como o adjetivo que qualifica a pessoa que mora na favela, já que é neste sentido que o filme o coloca) que vai todos os dias à praia e que uma vez por ano para com sua vida para curtir o carnaval, ou seja, Rio é uma versão moderna do Zé Carioca. Como se não bastasse, o filme nitidamente quer fazer propaganda de turismo carioca, e não tenta esconder isso em nenhum momento, ou seja, não é um filme, é um instrumento comercial.
É uma pena pensar que Saldanha tinha boas tramas na mão, como a questão do tráfico de animais e da extinção de algumas espécies, e ele simplesmente coloca isto como um pano de fundo para divulgar o carnaval e as peraltices do povo carioca, que definitivamente não é o Brasil, e o Rio de Janeiro. Em outras palavras, Saldanha e sua animação demonstraram fazer parte de um grupo de brasileiros, que finge não conhecer os verdadeiros problemas deste país, e os coloca como meros detalhes das grandiosas futilidades que "alegram" o povo. Afinal, quem se importa com o tráfico de animais e a extinção das araras azuis quando se tem festa em Ipanema e Carnaval na Sapucaí?
Eu realmente fico muito triste quando assisto a uma animação ruim, pois se trata de um gênero que eu aprecio muito, e Saldanha pisou na bola, e isto aconteceu por uma ideia errada, uma ideia americanizada de que o Brasil é apenas praia, futebol e carnaval. De uma vez por todas, nem todo brasileiro gosta de samba, nem todo brasileiro gosta de carnaval, nem todo brasileiro gosta de futebol, nem todo brasileiro gosta de praia, nem todo brasileiro é fútil, nem todo brasileiro dá as costas aos problemas de seu país, nem todo brasileiro é burro e o mais importante: Brasil é uma coisa, Rio de Janeiro é outra. Se cinema é identificação e assimilação de concepções, este é o motivo pelo qual Rio me deixou até mesmo revoltado: eu moro no Brasil, mas não este que ele retrata; depois quando algum americano disser que o Brasil não passa de um monte de areia e grama para se deitar ou jogar futebol, e que o país só é bom 4 dias por ano, ninguém pode reclamar, já que no fundo muitos brasileiros acreditam nisso, e Saldanha parece ser um deles.
(Rio de Carlos Saldanha, 2011)
(Rio de Carlos Saldanha, 2011)
NOTA: 2,5
Eu estou muito animado pra esse. A campanha tem sido forte.
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