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terça-feira, 27 de setembro de 2011

PROVAS E TRAPAÇAS


A época do High School possui uma mística muito forte nos EUA. Prova disto, é a quantidade de filmes que destilam seu veneno no restante do mundo, baseado nesta época da vida dos jovens e todos os aparatos que o cercam, sendo assim, encontramos romances, comédias comportadas, comédias depravadas, suspenses, terrores e nesta linha; o que no final das contas nos leva a afirmar que praticamente todos os gêneros de filmes já passaram pela época do High School, que seria o equivalente ao nosso Ensino Médio aqui no Brasil.

Provas e Trapaças tenta seguir uma linha que se tornou conhecida por filmes como Sociedade Secreta e Segundas Intenções, ou seja, tem todo aquele clima de suspense, aquele clima de mistério, mas que não envolvem nada de sobrenatural, mostrando-se em posteridade apenas alterações e provisões joviais e que muitas vezes são cruéis e maldosas. Aliado a este suspense existe certa dramatização, e normalmente uma dose cavalar de humor negro para apimentar um pouco o andamento da situação. O escopo é este mesmo, contudo, ao contrário dos outros dois filmes citados acima, principalmente o segundo, Provas e Trapaças no final das contas não chegam a lugar nenhum, e acaba se mostrando mais infantil do que um filme deste gênero deve ser.

O roteiro da fita é cheio de mistérios na pior linha Scooby Doo, e as soluções para os mesmos chegam, em alguns momentos, a tatuar um gigante ponto de interrogação na testa do espectador, tamanho o despreparo daquilo. Situações surpreendentes são aquelas que ao longo da fita vão se ocultando nas brechas de nossa visão superficial e que de repente explodem em nossa face, e não uma coisa jogada para salvar um argumento que se mostra insuficiente. A saída final do filme é boba e não se sustenta, além da incrível previsibilidade da personagem de Mischa Barton, em atuação frígida e sem qualquer tipo de paixão.

De nomes conhecidos temos o veterano Bruce Willis no papel do diretor sádico e rigoroso do colégio, um personagem chatíssimo e que no final das contas, deve ter sido criado para se colocar no elenco um ator com nome, pois não tem função nenhuma. O elenco de coadjuvantes é fraco, mas se empenha ao máximo para tentar superar as limitações do projeto.

Filmes como este nos remetem àquela sensação de marasmo, de inutilidade e de incompreensibilidade que assolam os fãs de cinema, quanto estes se encontram diante de uma fita que não sabe de onde veio e nem o por que veio, diante de uma fita sem começo, sem meio e sem fim, diante de uma fita que na dureza do conceito praticamente não existe, tamanho o silêncio sepulcral que emana do mesmo. Um filme que passa pela sua vida sem lhe causa nenhuma sensação. Esquecido assim que terminado, ou seja, Provas e Trapaças não é uma experiência ruim, ele nem sequer é uma experiência.


(Assassination of a High School President de Brett Simon, EUA - 2008)


NOTA: 3,5

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O PADRASTO


Não vou aqui novamente comentar ou discorrer sobre o marasmo e a mesmice nos quais o gênero do horror tem se enquadrado ultimamente. Produzem-se muitos filmes, porém cada vez mais é difícil encontrar algo bom, e muito mais difícil encontrar algo original e que consiga sair da mediocridade, levando esta ao seu significado morfológico e não coloquial. Dito isto, dedico as próximas linhas ao comentário desta obra, que é uma refilmagem (mais uma!) de um filme homônimo de 1987.

Eu não vi o filme de 1987, então não possuo condições para um debate de comparação entre ambas, então manterei minha argumentação baseada apenas no filme atual. Confesso que o filme me animou no início, mais precisamente na sua cena inicial, onde temos o protagonista do filme preparando um simples café da manhã, em uma manhã aparentemente de Natal, com uma música natalina e calma ao fundo, e com cortes que intercalam o protagonista e sua família inteira assassinada e sangrando no chão. A combinação de simplicidade, paz e horror funciona muito bem, e se a fita mantivesse tal premissa, estaríamos diante de um filmaço. Todavia, não é bem isso o que acontece.

Após esta ótima cena inicial, O Padrasto cai na mesmice e no marasmo do gênero já tantas vezes denunciado neste espaço. Tudo segue um fluxo pré-determinado e muito bem sabido por aqueles que acompanham insistentemente o gênero, como este ser que vos fala. O filme não é ruim, mas também não é bom, é simplesmente mais um. Intercala bons e maus momentos, mas no final das contas é como um motorista de um carro atolado, que fica em vão acelerando o mesmo na esperança e arrancar e seguir seu caminho, a diferença que O Padrasto simplesmente não decola.

Possui duas boas atuações do casal protagonista (o psicopata e sua “esposa”), porém as intercala com dois jovens atores muito fraquinhos e sem força nenhuma (o filho da “esposa” e sua namorada). Possui cenas de romance desnecessárias ao mesmo tempo em que consegue criar um bom clima de suspense em vários momentos. Tem um firme trabalho de edição e de direção, mesmo que clichês, mas possui uma trilha sonora (com exceção da música da cena inicial) pavorosa (no mau sentido). Além disso, esbarra em alguns problemas de andamento, na verdade ele enrola um pouco no desenvolvimento da ideia e, devido a isso precisa correr no final para não alongar demais a fita.

Começa bem e depois cai para o mais do mesmo. No final das contas, O Padrasto é mais um filme de terror/suspense como vários outros que lotam todos os anos as prateleiras do gênero. Funciona como entretenimento, mas para gêneros grandes como o horror e o suspense é preciso um esforço a mais.


(The Stepfather de Nelson McCormick, EUA - 2009)


NOTA: 5,0

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O MISTÉRIO DE NATALEE HOLLOWAY


Em maio de 2005, ao fazer uma viagem de férias junto com suas colegas do recém finalizado Colegial (Ensino Médio para nós aqui) pela ilhota de Aruba, conhecido recanto de férias, jogos e diversões (lícitas ou não) para turistas, a jovem estadunidense de dezenove anos Natalee Holloway simplesmente desaparece depois de sair embriagada de uma festa na companhia de três rapazes recém-conhecidos pela mesma. Tem-se início então um dos maiores e mais intrigantes casos de desaparecimento dos últimos anos, caso que se arrasta até os dias de hoje, sem uma conclusão precisa, um culpado firme, e até mesmo sem a localização do corpo da jovem, ou da própria jovem, já que a mesma não foi dada como morta pelas autoridades americanas (coincidentemente, li uma notícia esta semana de que o pai da jovem pediu para que a filha fosse declarada oficialmente morta).

O desaparecimento da jovem é envolto a mistérios, histórias, conspirações e falsas certezas, vindo da família ou até mesmo das autoridades. A verdade, é que devido ao não “achamento” do corpo da mesma pouca coisa de concreto se tem. O Mistério de Natalee Holloway é baseado em um livro escrito pela mãe da jovem, que além de contar o seu drama pessoal, tem certo caráter de auto-ajuda (pelo menos baseado nas informações que eu tive, pois eu não li o livro). O primeiro problema já está descrito logo acima: o filme não possui uma intenção com a verdade nua e crua, ou mesmo com uma investigação firme do caso, mas com a visão de uma mãe, ou seja, parcial.

Minha intenção aqui não é distorcer e nem ficar de acordo com o crime, agora é nítido que existe um endeusamento da desaparecida e uma visão puritana da mesma, que não condiz com uma jovem que deixa as amigas para entrar em um carro com três desconhecidos em um lugar desconhecido. O filme insinua claramente, por exemplo, que Natalee foi drogada pelos três rapazes, fato que nunca foi comprovado, entre outros aspectos.

Bom, não tenho a intenção de realizar um debate do caso, ou até mesmo passar mais informações sobre o mesmo, pois não é a proposta do meu texto, sendo assim, passarei a análise do filme propriamente dito, e para adiantar um pouco a carroça, ela não tem como ser muito positiva.

A fita falha em convergir o argumento real com a ficção; quero dizer o seguinte, os bons filmes baseados em fatos reais, normalmente possuem uma preocupação quase que intrínseca ao mesmo, de mostrar ao espectador que, mesmo baseado em uma história real, existe uma dramaticidade excessiva utilizada para o andamento do filme; coisa que aqui não acontece. O filme é muito, mas muito lateral. Não possui nenhuma intenção de reaver suas premissas, e desfila dramalhotes sem qualquer pudor. O mistério de Natalee Holloway quer claramente enfiar por osmose no espectador a ideia de um crime hediondo, e isentar a jovem de qualquer parcela de culpa, seja esta causada por frivolidade e vontade da mesma, ou até mesmo por uma inocência imaculada. Em resumo, o filme é ideológico, e baseia sua ideologia em uma pedra solta.

O filme tem baixo orçamento e é nitidamente independente, o que traz várias limitações técnicas, desde uma fotografia um pouco tímida, até uma utilização de cenários e iluminações muito ruins. O elenco é inexperiente e muito fraquinho, e conta com uma atuação simplesmente irritante de Tracy Pollan no papel da mãe de Natalee que se desespera para encontrar a filha. O negócio é tão forte, que você não se comove com o drama da mãe, mas pega aversão à mesma, tamanha sua imprudência e inocência, assim como pelos exageros da atuação de Pollan.

O Mistério de Natalee Holloway já nasceu determinado e se ruir. O único ponto que o filme poderia ter de interessante, que é a história do desaparecimento e uma investigação sobre o mesmo é inibido por um argumento frágil e parcial, baseado em uma visão que não convence muito, e que em alguns momentos aporrinha o espectador de um modo até bem forte. Crime a parte, problemas policiais a parte, famílias envolvidas a parte, o desaparecimento de Natalee Holloway, por se tratar de um dos grandes casos policiais dos últimos, merecia algo um pouquinho melhor. Sejamos sinceros, algo bem melhor.


(Natalee Holloway de Mikael Salomon, EUA - 2009)


NOTA: 3,5

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MAURICE


Romance de época que retrata a descoberta da homossexualidade e da própria sexualidade em si de um jovem estudante inglês, e em posteridade adulto, do início do século XX. O filme é dirigido por James Ivory, após o grande sucesso de seu Uma Janela Para O Amor, e segue linhas bem específicas, ou seja, segue uma caminhada em torno da organização e proliferação dos ideais e das burocracias da sociedade3 inglesa da época.

Muito mais que tratar de preconceito ou do diferente, Ivory foca na descoberta, na apropriação de algo difícil como parte de si mesmo e na admoestação da situação por parte do próprio personagem e do geral onde o mesmo vive. O desenrolar início parece seguir um caminho mais romântico, onde o foco seria mais a relação entre dois personagens e não a descoberta de um em si, fato que se altera com o desenrolar da fita, mostrando que na verdade o filme é sobre Maurice e não Maurice e seus agregados por assim dizer.

Os filmes de Ivory, por adentrarem de forma muito forte na forma da sociedade inglesa da época acima colocada, acaba quase sempre tomando para si a frieza própria desta mesma sociedade, em outras palavras, os filmes de Ivory quase sempre não envolvem o espectador na trama, e o deixa meio deslocado. Maurice não é muito diferente. Toda aquela pompa, aquele “nariz empinado” da sociedade inglesa do início do século passado está muito bem retratado ali, com figurinos belíssimos, uma fotografia estupenda, cenografia de encher os olhos entre outros aspectos, que por mais que comunguem bem o contexto do filme são puramente técnicos. Todavia, se compararmos com os outros filmes de Ivory, Maurice pulsa melhor e tem mais expressão, fato que é feito de carona com a grande atuação de James Wilby no papel do protagonista.

O segundo, todavia se mostra negativo, já que Maurice peca no roteiro. O detalhismo e preciosismo de Ivory na parte técnica e na direção não se repetem no tratamento do roteiro. Maurice atropela algumas situações, não explora muito bem alguns aspectos importantes para o filme (como o despertar do romance entre Maurice e Clive, personagem de Hugh Grant), e não se aproveita de boas e originais sacadas, como os quadros e situações que envolvem a hipnose. O romance da parte final entre Maurice e Scudder (muito bem interpretado pelo jovem Rupert Graves) é como um galho separado, e no final das contas não condiz com o bom realismo que a fita constrói ao longo de suas primeiras partes. A temática homossexual está bem em foco atualmente, o que pode gerar um ressurgimento desta obra de Ivory, pouco conhecida no Brasil, mas não altera o modo um pouco intelectual como a película vê a questão. Em Maurice, o homossexualismo, em vários momentos, aparece muito mais como escape do tradicionalismo, do que como opção sexual propriamente dita.

No final das contas, Maurice é um filme bem palatável, entretanto, falta-lhe aquilo que separa os filmes comuns dos grandes filmes, aquele “boom’ que espanta e que choca o espectador, gerando um grande problema, já que Ivory possuía todos os ingredientes na mão e não soube usá-los. Assim sendo, por mais forte que algumas de suas reflexões possam soar, por mais atual que sua temática seja e por mais que tecnicamente o filme beire à perfeição, Maurice não consegue superar o status de “mais um”, e se segura através de elementos periféricos enquanto que os cabais deixam um pouco a desejar.


(Maurice de James Ivory, Reino Unido - 1987)



NOTA: 6,5

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A ÁRVORE DA VIDA


Malick não produzia um filme desde o criticado e ao mesmo tempo amado O Novo Mundo em 2005. A mística em torno do recluso e misterioso diretor colabora e muito para que seus filmes sejam sempre badalados, ou pelo menos aguardados com expectativas, tanto por público (mesmo que um pouco restrito ao mais alternativo) quanto por crítica.

Confesso que eu nunca acompanhei de perto a carreira de Malick, constando em meu currículo apenas Além da Linha Vermelha e uma olhada bem grosseira por seu último trabalho já acima citado, mas devo admitir que após A Árvore da Vida, meu interesse por seu trabalho aumentou e muito, pois tive a oportunidade de acompanhar neste sábado último, o que para mim, é um dos grandes momentos do cinema neste ano.

O filme em seus primeiros cinquenta minutos, um pouco mais, um pouco menos, me deixou em puro êxtase. A sequência de imagens e planos que caracterizam a visão de Malick da criação do mundo, e a impostação de cenas e movimentos que perpassam ideias como o divino; o natural; a relação entre os mesmos; o humano; o animalesco; entre outros e que me pareceram representar a criação da própria vida em suas mais variadas instâncias me deixou simplesmente hipnotizado. Em alguns momentos me lembrei da obra Fonte da Vida de Darren Aronofsky (que, aliás, é um filme pelo qual eu possuo um gosto afeiçoado), mas principalmente, Malick parece unir a perspicácia de Tarkovsky em relação ao subliminar e ao subjetivo com a paranóia e a genialidade que Kubrick possui com imagens que em primeiro momento soam desconexas, mas que representam a poesia de seu próprio autor, ou você espectador, vai negar a semelhança entre este filme e algumas partes específicas do grandioso 2001 – Uma Odisséia no Espaço? Em resumo, A Árvore da Vida possui uma influência clara destes dois gênios do cinema, e uma influência muito boa e correta.

A beleza das imagens e do filme em si é praticamente indescritível. A fotografia é estupenda e possui tons alvos que combinam demais com a sensação de pureza e de magia que Malick parece querer colocar à disposição da vida. É interessante perceber a utilização que o diretor faz do sol, sendo que este sempre aparece, mas aparece alongado, sempre iluminando ao fundo, para não prejudicar essa sensação de brancura. Os movimentos de câmera são intensos, sendo que Malick filma de todos os ângulos, usa câmera na mão quando lhe convém e coloca uma câmera lenta em várias cenas que contribuem demais com o clima da película. O filme passa uma sensação de paz, e sua trilha sonora que só não é mais estupenda que suas imagens que tocam o fundo da alma de qualquer espectador. Cinema em seu auge pleno.

Como se não bastasse toda a beleza do filme, A Árvore da Vida ainda é roteiristicamente profundo e sublime. Cheio de metáforas, ecos e simbolismos (incluindo a boa e velha relação da árvore com a vida e seu desenvolvimento), Malick realiza um retrato subjetivo e muito particular de suas concepções sobre a vida, o ser humano e o lugar de tais na construção deste mundo. Não é correto se perguntar o que o filme quer dizer, mas sim o que o seu diretor que dizer, já que a fita é nitidamente uma obra de arte pessoal, e que refletem sentimentos muito particulares e íntimos. A Árvore da Vida é minimalista, detalhista e se parece com um tipo de obra bem peculiar, onde por mais que existam diversas interpretações externas, existe um “algo” oculto, inacessível a quem vê de fora, e que toca somente a seu realizador. Existe algo de Malick no filme que compete somente ao mesmo, e que não possui nenhuma objetividade inerente, ou seja, não é um problema do espectador, é uma característica interna, potencial e que, em muitos casos, passa despercebida até mesmo de seu próprio criador.

Destaco também a ótima interpretação de Brad Pitt em um personagem emblemático e muito complexo, além do ótimo elenco mirim. Destaque também para a linda, precisa e enigmática cena final, que juntamente com a sequência que representa a criação e a vida em si, sequência esta que, como já dito, simplesmente me hipnotizou, se mostram como o ápice de um filme que só não é perfeito pelo seu ritmo um pouco irregular e uma atuação um pouco exagerada de Jessica Chastain no papel da esposa de Brad Pitt e mãe de seus três filhos.

Sussurrante em quase toda a sua extensão, e gerador de um reducionismo ao qual eu não me atrevo, caso haja intenção de descrevê-lo em sinopse, A Árvore da Vida, é um filme que merece e muito ser visto, e não apenas pelo público normalmente mais alternativo do diretor, mas por todos. Uma belíssima experiência que se torna cada vez mais emblemática e cativante com o passar dos minutos em que se tenta entendê-la melhor. Um exercício cinematográfico de contemplação e de inteligência, fato que talvez explique a desistência de algumas pessoas no meio da sessão. A Árvore da Vida possui no oculto e no simbólico seu ápice, deixando pouca coisa em seu exterior, fato que contribui e muito para seu resultado final. Palma de Ouro em Cannes merecida.



(Tree Of Life de Terrence Malick, EUA - 2011)


NOTA: 9,5

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

MORTE NEGRA


Épico medieval que mistura, além dos elementos já clássicos do gênero, um toque muito forte de suspense e, por que não, elementos que beiram o terror. Contando com Sean Bean (o Boromir de O Senhor dos Anéis) como único mais ator “badalado”, Morte Negra se utiliza destes elementos para contar a história de um grupo de cavaleiros cristãos que recebem a missão de adentrar a uma aldeia, que misteriosamente não se encontra padecendo sobre o terror da chamada Peste Negra, e que buscam em um jovem monge o guia (no sentido turístico da palavra) para alcançar tal localização.

Qualquer pessoa que se lembra um pouco de suas aulas de história, sabe que Peste Negra foi o nome pelo qual ficou conhecida a peste bubônica, após (e durante) a pandemia que assolou boa parte da Europa no século XIV. O contexto do filme é este: uma Europa devastada, suja, pútrida e com sua população morrendo ou de peste ou de medo de tudo aquilo se tratar de um castigo divino (é interessante levar em consideração que, além da Peste, outra coisa que dominava a Europa era a Igreja Católica unitária).

O filme trabalha bem com o contexto, e o mais interessante é que em nenhum momento ele deixa de ser contexto. Morte Negra não é um filme sobre a Peste Negra, nem sobre o medievo em si, mas sobre um embate, sobre um aspecto delicado, difícil e que gera interpretações e colocações de variados modelos, falamos do embate, mais que clássico no medievo, entre paganismo e cristianismo. É difícil citar ou trabalhar todas as nuances abordadas pelo filme, mas o fato é que, Morte Negra consegue atribular de forma muito eficiente este confronto. De um lado, enviados cristãos que tem como missão combater uma aldeia que, por não ter sido atingida pela peste, é vista como demoníaca, ou seja, aquele clássico “ser diferente” tão combatido por instituições dominadoras.

Morte Negra não é um filme ateu, nem pagão, e sim deísta, e visivelmente (como é explícito no final) anticristão, pelo menos, daquele cristianismo absurdo e violento praticado pela Igreja Católica na época analisada. Vale ressalva, que mesmo com tal caráter, a crítica a posições x ou y, parte muita mais da interpretação do espectador do que propriamente de um elemento explícito no filme. O roteiro de Dario Poloni consegue flutuar e se infiltrar em todas as perspectivas possíveis, e demonstrar aspectos positivos e negativos em todos, algo que é muito complicado, e que uma tomada de partido no final não corta o mérito.
Tecnicamente falando, o filme está bem longe de ser original, ou de acompanhar a força de seu roteiro (que, quando foge do argumento central, também cai em situações fáceis). O figurino e a cenografia são visivelmente limitados (culpa de um baixo orçamento), e as atuações de alguns coadjuvantes beiram o amadorismo. A direção do desconhecido (pelo menos para mim) Christopher Smith é comum, e se utiliza de flashes, movimentos e cortes que buscam muito mais uma aventura épica do que uma reflexão temática como o roteiro permite, o que faz com que Morte Negra acabe se tornando um filme acessível a todos, mesmo que a maioria fique estagnada na exterioridade da direção de Smith.

Confesso que me surpreendi com a capacidade argumentativa deste filme, o que não o torna um filmaço, mas o torna reflexivo; algo cada vez mais raro hoje em dia. A verdade é que Morte Negra exige uma análise muito mais historiográfica e filosófica do que propriamente cinematográfica, porém, como este não é o intuito chave do blog, acredito que os pequenos entraves que citei sejam suficientes para despertar a curiosidade para um filme pequeno, que estreou no Brasil direto em DVD e que se sai muito melhor que a capa ou a sinopse. Muito mais que lido ou comentado (sobre o mesmo), Morte Negra é um filme que deve ser visto. Uma boa surpresa.


(Black Death de Christopher Smith, Alemanha/Reino Unido - 2010)


NOTA: 7,5

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

THOR


Um filme igual para um herói diferente; esta talvez seja a melhor forma de definir o petardo do clássico diretor Kenneth Branagh e sua iniciativa em filmes que são diretamente comerciais. Se levarmos em consideração que Branagh, é considerado por muitos (inclusive por mim), como a versão moderna de Sir Laurence Olivier, pela capacidade de transpor Shakespeare para o cinema; Thor é, além de totalmente incomum para o diretor, é algo que poderia ter sido evitado.

Branagh está nitidamente desconfortável. Seus movimentos de câmera são lentos para um filme de ação, e falta time ao diretor para este tipo de produção, o que faz com que o filme fique um pouco dramático em excesso. Os efeitos especiais são legaizinhos e o filme é bem colorido, às vezes um pouco demais, às vezes contrastando bem com a fotografia, o que nos leva a crer que, devido ao não domínio de Branagh no gênero, estas partes tenham sido inseridas quase que sem sua supervisão, transformando Thor em um filme cortado, repartido e que não consegue criar universos muito conectados.

Se Thor perde para outros filmes baseados em heróis de quadrinhos em sua parte normalmente mais forte (cenas de ação e efeitos especiais), ele ganha em plásticas e condução de atores. O filme tem uma fluência mais calma e se utiliza da mão forte, porém mais clássica de Branagh, para formar um clima menos explosivo e mais receptivo a uma parte menos específica para o gênero, porém mais altiva para espectadores em geral.

Falando deste jeito, parece que entro em contradição, pois até agora descrevi Thor como sendo diferente dos outros filmes do gênero, o que geraria um paradoxo com minha primeira frase deste texto. A questão é que, acidentes a parte, a essência do negócio é a mesma. Como quase todos os filmes baseados em quadrinhos, Thor funciona bem como entretenimento de domingo à tarde, mas deixa bastante a desejar quando o assunto é cinema de qualidade propriamente dito. O que faz Thor mais interessante que grande parte dos outros heróis, é a questão mitológica que o envolve. Tenho certeza que se Branagh fosse mais adequado e envolvido com o clima em geral, este aspecto teria sido mais bem desenvolvido, o que faria com que Thor tivesse, não apenas um atrativo a mais, mas um grande atrativo. 

Eu até gostei do filme, mas confesso também que, por gostar do herói envolvido e por possuir uma grande admiração pelo trabalho de Branagh estava inclinado a isto; contudo, admito que o filme seja mediano e que não possui muitas pretensões além de “ser mais um”. No final das contas, o Thor de Branagh me passou a mesma sensação que o Harry Potter de Alfonso Cuáron: é muito talento para pouco filme. Thor seria um filme melhor sem Branagh, assim como Branagh poderia ter se livrado dessa. Um filme meão, de puro entretenimento e sem muitas pretensões, e é apenas deste modo que o mesmo funciona, contudo àqueles que esperam dele mais que isso, melhor procurarem outra coisa.


(Thor de Kenneth Branagh, EUA - 2011)


NOTA: 5,5