ENCONTRE AQUI

terça-feira, 2 de agosto de 2011

HOMENS E DEUSES


Das escolas cinematográficas européias, as que mais chegam a nós pobres mortais da América do Sul são as escolas francesas e italianas e entender isso é até um pouco fácil. Amas as escolas apostam em características mais leves, possuindo filmes mais ativos, alegres e mais aventureiros por assim, o que contrasta com a dureza e o pessimismo das escolas norte-européias e até mesmo o cinema espanhol. O brasileiro não é um povo que possui por peculiaridade apreciar filmes de visuais mais velhos, de andamento vagaroso e que ocupem muito espaço na mente do mesmo, assim sendo, os filmes franceses e italianos sempre foram mais aceitos por aqui por não terem as pretensões acima citadas. Todavia, eis que surge este Homens e Deuses, que por mais que tenha várias características do cinema francês é de uma dureza e de uma exigência quanto ao espectador poucas vezes vista na cinematografia deste país.

Homens e Deus narra a história de um mosteiro trapista na Argélia, onde estes começam a conviver com eminência do fundamentalismo islã que começa a tomar o poder no país na década de 90. O filme é baseado em fatos reais, o que torna sua importância ainda maior, pois serve também como documentação histórica.

O filme venceu o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes em 2010, o que para mim é algo realmente importante, e é dirigido pelo também francês Xavier Beauvois. Contemplativo e singelo, Beauvois filme de uma maneira muito plástica e clássica e com um andamento bem cadenciado, abrindo os planos das cenas, para depois ir fechando-os gradativamente de acordo com o clímax e a necessidade da situação. Lembrou-me alguns filmes do diretor iraniano Abbas Kiarostami não só pelo andamento, mas também por estas características de filmagem e pela fotografia um pouco suja, para aumentar a sensação de realidade e de aridez de cenários pobres e sofridos, como é o caso da Argélia aqui retratada.

O filme foi muitas vezes acusado de ser excessivamente longo, algo que em alguns momentos se faz real e em outros não. Na verdade, Homens e Deuses não possui problemas de andamento, já que tudo é muito bem encaixado; a única questão é que Beauvois mantém a câmera quase sempre estática, apenas observando e contemplando o movimento dos atores além do fato de que Beauvois corta todas as vezes que precisa alterar de local e em nenhum momento se continua mostrando os atores sem um corte. Em um filme de ação, por exemplo, a câmera corre e acompanha o ator para gerar um dinamismo maior, o que não é o caso aqui, já que o diretor prefere sempre cortar a cena e iniciar de outro ponto a dar seguimento, o que contribui com a sensação de lentidão, mas que na verdade não é um defeito, mas sim uma particularidade do diretor.

Deixando um pouco de lado a parte mais técnica, no quesito narrativo o grande trunfo do filme é conseguir tratar de coisas perigosas e de uma maneira tão interessante. Em nenhum momento Beauvois faz apologia ao cristianismo em detrimento do islã. Apesar de cenas ritualísticas dos monges povoarem o filme, a condenação aqui é ao fundamentalismo, à intolerância e a violência, e não ao islã ou qualquer outro tipo de religiosidade, algo que em mãos erradas poderia gerar um filme apologético e preconceituoso como muitos que temos por aí. Qualquer interpretação que gere uma visão problemática sobre este tema no filme de Beauvois, presunçosamente falando é falha de análise do espectador. As atuações também são soberbas, além de um trabalho de figurino preciso e uma trilha sonora maravilhosa, que repassa ao espectador toda a melancolia e todo o sentimento de simplicidade e contemplação destes homens brutalmente assassinados apenas pelo fato de sentirem parte de um local enquanto outros não comungavam de tal opinião.

Com cenas belíssimas, Homens e Deuses tem cacife para clássico, algo que não acontecerá devido ao seu apelo muito emotivo e sua pouca tendência de populacho, mesmo com a emotividade. Eu gostei e bastante, e já vi filmes muito mais lentos não serem acusados de tal problema, algo que fez com que eu não compreendesse muito bem toda esta perseguição ao filme. Beauvois conseguiu um tempo de formulação muito interessante e conseguiu realizar um filme tocante e de uma preciosidade ímpar, que só não agradará aos olhos daqueles que nãos conseguem enxergar nada que não esteja escancarado em seu nariz, ou seja, não agradará a muitos.Novamente me considero um sortudo por poder prestigiar uma obra com essa.


(Des Hommes Et Des Diex de Xavier Beauvois, França - 2010)


NOTA: 9,0

Nenhum comentário:

Postar um comentário