Para que o Pablão não chegue aos finalmentes e literalmente me mate por deixar de contribuir com o blog resolvi voltar com as 10 cenas que mais gosto no cinema, aquelas que consigo assistir cinqüenta vezes sem que elas percam o efeito de novidade. Faço isso até por uma necessidade de catálogo, para guardá-las no celular como kit de sobrevivência contra eventuais acidentes aéreos, principalmente aquelas catástrofes que deixam a gente como único sobrevivente numa ilha deserta. A principio postaria todas juntas, mas como escrever o pouco e o mínimo não está entre as minhas principais qualidades literárias será uma cena por vez mesmo.
10. La Dolce Vita (Federico Fellini, 1960)
Poucas cenas são tão gostosas de assistir quanto da belíssima Anita Ekberg subindo um rodopio de escadas em “La Dolce Vita”. Nesta ela interpreta Sylvia – uma atriz americana de sucesso em excursão por Roma – que desperta uma paixão dessas de deixar cansado no Marcelo Mastroianni. E faz isso com uma liberdade selvagem de floresta, de criança, de chuva em janela de quarto, de jabuticaba fruta mascada no pé, de sonho bom, se rindo toda rouca ao galgar cada degrau pretendido. Os homens, os paparazzi, os sorveteiros, os jornaleiros, os correntistas que lhe perseguiam nesta fantástica jornada vão desistindo um a um, vencidos pela energia dessa mulher de infinitas tempestades. Anita, mais do que beleza em cabelos loiros cor-de-prata, transbordava a virtude essencial da própria vida: era livre. “Carpe Diem”, uma frase que os próprios romanos repetiram incansavelmente em seus momentos gloriosos, parecia existir somente neste momento de mundo e apenas para descrevê-la por entre as avenidas e azaléias da cidade museu.
A despedida de sua personagem é talvez a maior quebra de mitos do cinema: ao voltar para o hotel com Mastroianni ela encontra na calçada o namorado violento embriagado que, balbuciando qualquer coisa, lhe dá uma bofetada na cara. Anita então transforma o rosto. O tempo parece engatilhar pois seu coração dispara décadas. O corpo adquire o cansaço de corpo, está finalmente entregue à dura passagem dos anos, a dura passagem dos amores, a dura passagem das tragédias e saudades desses amores. E por de trás daquela criatura que aparentava ser genuinamente livre e incontrolavelmente feliz surge uma mulher submissa, triste, sem romance e principalmente humana. Desaparece a atriz, a baita gostosa inconquistável, a deusa onírica de todos os momentos anteriores. O frágil castelo de cartas construído meteoricamente em torno dela é soprado e rompido. Ao vê-la correndo humilhada para o saguão do hotel Mastroianni, que antes a devorava em cada olhar e suspiro, sorri com um profundo carinho para nunca mais reencontrá-la. Muitos (para não dizer todos) consideram “La Dolce Vita” um retrato da decadência e da superficialidade humana, mas particularmente nunca o encarei dessa forma. No final somos todos mais tímidos, gagos, solitários, perdidos, inseguros e tristes que aparentam estas fantasias que os outros vestem na gente. Descobrir isso não é descobrir a decadência no outro, mas o motivo para vida ser tão doce quando se está junto de qualquer pessoa.
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