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quarta-feira, 25 de abril de 2012

O ROLO COMPRESSOR E O VIOLINISTA



Média metragem feito para a conclusão de sua faculdade de cinema aos vinte e oito anos de idade, O Rolo Compressor e o Violinista é um excelente embrião da nobreza que, futuramente se transformaria o cinema deste gênio da sétima arte que atende pelo nome de Andrei Tarkovsky. Centralizando na inusitada amizade entre um garoto violinista e um motorista de um rolo compressor que realiza um trabalho perto da residência do já citado garoto, Tarkovsky já dá mostras de um talento acima da média. Logicamente que esta pequena e primeira obra ainda é crua e mostra um Tarkovsky mais vacilante, contudo a beleza poética e a simplicidade com que o assunto é tratado só poderiam vir de uma mente que entende a verdadeira síntese e propriedade do cinema, e sabe consequentemente organizá-la e projetá-la sem retirar sua parte mais nobre.

Tarkovsky varia de planos amplos para fechados, e utiliza-se da expressão dos atores e dos cenários para criar um clima fino, que consiga sintomatizar a relação de amizade que se constrói. O roteiro, muitas vezes baseado apenas nas imagens, é uma de beleza ímpar, e perpassa o espectador levando-o a uma análise de mais profunda de tudo o que se desenrola em cena. Utilizando-se das características marcantes de cada personagem, Tarkovsky realiza um movimento de assimilação entre público e filme, além de unir os dois personagens principais por estes elementos. Muito mais que uma simples amizade, os grandes momentos destes novos amigos, mostram-se exatamente no compartilhamento daquilo que cada um possui para oferecer, sendo no caso de Sergei (O Rolo Compressor) uma divertida “volta” na máquina de trabalho do mesmo e no caso de Sacha (O Violinista) uma suave música tocada em seu violino. A profundidade da amizade ultrapassa a vontade que cada um possui de conviver com a outra parte e se mostra totalmente desinteressada, desembocando em um triste, porém singelo final.

As interpretações merecem destaque, principalmente a do menino Igor Fomchenko que constrói um personagem simplesmente magnífico e que se enquadra exatamente naquilo que aparentemente era a intenção de Tarkovsky. As alterações de humor e as demonstrações de amizade partem das feições deste menino de forma intensa e simplesmente fenomenal.

Muito mais destacado pela beleza do que pela inovação técnica e estética que marcaria a obra posterior de Tarkovsky; O Rolo Compressor e o Violinista é uma obra obrigatória para os fãs de um cinema simples, belo e ao mesmo tempo marcante e pouco convencional. Uma história de amizade incrível, emocionante e que nos coloca frente a frente com os primeiros passos de uma dos maiores gênios da história do cinema. 


(Katok I Skripka de Andrei Tarkovsky, Rússia - 1960)


NOTA: 9,0

domingo, 22 de abril de 2012

CORAÇÃO DE CRISTAL



Werner Herzog é, ainda hoje, um dos grandes diretores que o cinema produziu. Dono de um estilo único, que mistura brutalidade com elementos poéticos para realizar grandes análises da natureza humana, o diretor alemão já nos presenteou com clássicos como Fitzcarraldo, O Enigma de Kaspar Hauser e o meu favorito, o estupendo Aguirre, a Cólera dos Deuses, todavia, Coração de Cristal é com certeza, entre os filmes do diretor que eu tive a oportunidade de assistir, o mais emblemático e o mais experimental trabalho de sua carreira.

O filme é extremamente simbólico e cheio de diálogos magistrais, que possuem em seu cerne, tanto elementos do teatro clássico quanto elementos poéticos de altíssimo nível. A fotografia é bárbara e a condução de câmera por parte de Herzog é algo para ser analisado em uma escala diferente. O diretor realiza inúmeros movimentos ao longo do filme, o que o torna um trabalho extremamente imprevisível. Herzog inverte planos, expande e retrai os mesmos ao seu bel-prazer, mas nunca de forma arbitrária, coloca a câmera em sua mão quando julga necessário e até verticaliza alguns planos, tudo com um toque clássico de alguém que realmente sabe o resultado que quer adquirir. Um exemplo claro dessa grandiosidade é a sequência final, que se passa em uma ilha e que dura alguns minutos, em que Herzog dá uma aula de direção e com ângulos e movimentos ousados cria planos maravilhosos e cenas inesquecíveis.

Apesar de possuir uma linearidade, Coração de Cristal possui vários fragmentos em sua execução, fragmentos estes que, por mais que possuam relação com o todo, se auto explicam através de aspectos existenciais e teses elaboradas em tons proféticos, materializando-se na pessoa do “vidente” Hias, responsável pela maioria dos grandes diálogos que o filme possui.

A busca da fórmula secreta do “vidro-rubi” perdida com a morte do único homem que a conhecia, faz com que um vilarejo se perca em obsessão e lamúria, pois os mesmos vivem desta especialidade. Personagens se alteram, definham, crescem, e tudo isto sem qualquer dano ou apelação ao alinhamento construído, ou seja, o desespero das pessoas com o alicerce perdido, o vislumbre de um futuro sem nada, culminando em atitudes e condições extremas dos personagens. Coração de Cristal é lento, pouco convencional, em alguns momentos desesperador e exige muita concentração do espectador, ou seja, é cinema de grande profundidade e de grande afetação. Visualmente e esteticamente experimental, é um filme único na carreira de Herzog, o que o torna pouco visto mesmo entre seus fãs, que na maioria das vezes são adeptos ao seu cinema mais “comum”.

Como última ressalva, vale o destaque de que, segundo o que eu li, Herzog utilizou técnicas de hipnose em alguns atores, principalmente nos coadjuvantes, para que os mesmo realizassem cenas em estado alterado, com a intenção de realizar o mesmo movimento no espectador, fincando sua presença através da loucura e do exagero imposto a estes atores e no final das contas, ele conseguiu, pois com o perdão do trocadilho, o filme é realmente hipnotizante. Obrigatório.


(Herz aus Glas de Werner Herzog, Alemanha - 1976)


NOTA: 9,5

segunda-feira, 16 de abril de 2012

MIKEY


Qualquer fã de filmes de terror já se interessaria por este filme só pela frase de chamada na capa do DVD: “Lembre-se, Jason e Freddy já foram crianças também”. Uma chamada de efeito que busca referências nos dois maiores ícones do cinema de terror, além de dois dos maiores assassinos da história do cinema em geral. Como se isso não bastasse, isto é feito para apresentar um filme sobre um menino de oito anos, em outras palavras, nada de adultos ensandecidos matando tudo e todos; já que em Mikey, e percebe-se isso logo na primeira sequência, o assassino é a criança.

O grande barato é o fato de o filme dispensar explicações estúpidas sobre os motivos que levam a criança a cometer tais crimes, limitando-se apenas aos clichês do órfão que passa de família em família. Em nenhum momento o filme tende a explicações psicológicas de falta de amor dos pais ou traumas e coisas assim, sendo que as citações a este tipo de situações são extremamente manipuladas pelo personagem infantil. O menino é mal e ponto, não há tentativas atuais “politicamente corretas” e moralistas para tentar manter a criança em um esquife impenetrável de pureza. O filme só trabalha com a ideia que trabalha, por que foi produzido em uma época que aceitava tal possibilidade, contrastando com a época atual, onde médicos, psicólogos e seres afins tentam “isentar” pessoas simplesmente más e que cometem crimes de acordo com a sociedade, através de apelações e argumentos muitas vezes mal explicados, retóricos e dogmáticos.

A atuação do jovem Brian Bonsall como Mikey é bárbara, e tenho certeza que não gerou nenhum trauma ou seqüela no menino a interpretação de tal personagem (ou alguém vai querer vir com o papo furado de que os problemas que o mesmo teve com a polícia por agressão ou violação de condicional vem daqui?). O roteiro é bem amarrado e algumas cenas são de uma felicidade rara (como a cena da mesa de jantar), contudo, o filme poderia ter uma direção menos vacilante e uma trilha sonora mais bombástica. Todavia são pequenos empecilhos perante um filme perturbador, intrigante, em alguns momentos extremamente empolgante e que trabalha com boas idéias e perspectivas, mesmo que as mesmas sejam abomináveis perante à ideia cristã-moralista da pureza e bondade eterna das crianças. Aliás, provavelmente este moralismo cristão exagerado impediu o filme de ser lançado no Brasil, ou seja, dificuldade de acesso de novo, algo cada vez mais comum para não-fãs de filmes de super heróis, Transformers ou Crepúsculos da vida.

Fica aqui novamente uma dica para cinéfilos que possuem facilidade para fuçar na internet e encontrar tais obras, para aqueles que não possuem tal facilidade, resta ter um amigo com essa facilidade e que ele consiga tal filme pra você, e por aí vai, o que venhamos e convenhamos é algo bem triste, pois priva muitas pessoas do acesso a filmes muito interessantes, categoria que Mikey se encaixa facilmente.





(Mikey de Dennis Dimster, EUA - 1992)




NOTA: 8,0

segunda-feira, 9 de abril de 2012

FLORESTA NEGRA


Atualmente parece surgir no cinema e no entretenimento em geral uma onda de transformar aqueles clássicos contos de fadas que povoaram gerações e mais gerações em obras mais assustadoras e insinuantes. Só no campo dos seriados temos dois claros representantes desta temática; Grimm e Era Uma Vez, série às quais não assisti nenhum capítulo, mas que tive a oportunidade de me deparar com os resumos de seus episódios e daí retirar este meu comentário. Além disso, no próprio cinema, tivemos o desastroso A Garota da Capa Vermelha no ano passado e neste 2012 assistiremos (ou não) ao lançamento de duas novas versões da clássica história de A Branca de Neve, contudo, não acredito na possibilidade de nenhuma das duas serem superiores a esta surpreende adaptação do conto compilado pelos Irmãos Grimm.

O diretor Michael Cohn cria uma incrível roupagem para esta adaptação. Tudo é muito obscuro, muito misterioso, muito penumbroso. O suspense é forte e circunda todo o filme, caminhando ao lado do mesmo de seu início até os momentos do ótimo desfecho. As poucas deturpações na história ajudam o espectador a se identificar com o clima proposto, porém, o grande acerto do diretor é eliminar ou suplantar elementos da história original que a transformam em um conto infantil, fazendo com que a fita ganhe em “público idade”. O príncipe encantado aqui não é bem lá um poço de bondade e pureza, e os sete anões são substituídos por uma espécie de grupo de renegados e marginalizados, dos quais vários possuem seus rostos deformados ou cicatrizados.

O elenco está muito bem, desde o grupo desconhecido de coadjuvantes, passando por uma concisa atuação do normalmente burocrático Sam Neil e desembocando na ótima atuação de Sigourney Weaver como Lady Claudia, ou para associá-la ao conto original, como a Madrasta.

Floresta Negra (não vou nem comentar o título em português) é sim um filme de terror, e de terror psicológico, muito mais puxado para o suspense do que para o terror explícito, e muito mais do que sustos, o filme se apóia nas relações pouco harmoniosas e humanas entre os personagens, e no incrível elemento perturbador proporcionado pelo ótimo trabalho artístico, com destaque para a belíssima fotografia em tons azulados e uma ótima maquiagem. Contudo, como ressalva, vale comentário o pouco capricho com os efeitos especiais em algumas cenas, que, se causados pela falta de dinheiro se torna algo perdoável, todavia, se o motivo for a incompetência dos profissionais responsáveis pelos mesmos, não há razão alguma para se esquivar de tal percepção, nada que estrague o bom resultado final, mas é nítido que o trabalho nesta parte específica da obra está abaixo do restante.

Um filme muito interessante e que deveria ter recebido um reconhecimento maior, o que infelizmente não aconteceu. A fita se perdeu na passagem do VHS para o DVD e não foi lançada no Brasil neste segundo formato (pelo menos não em grande tiragem e que pudesse gerar um fácil acesso à mesma), característica que o transforma em um trabalho de difícil acesso, ainda mais para aqueles espectadores que já não suportam mais os chiados e tremidas clássicas de uma VHS. Entretanto, VHS ou não, esqueça por alguns momentos a Branca de Neve de sua infância e se coloque em um conto de mesma estrutura, porém com uma roupagem totalmente diferente. 


(Snow White: A Tale Of Terror de Michael Cohn, EUA - 1997)


NOTA: 7,5