Para nossa sorte, nem só de cinema (espaço físico) vive o mundo da sétima arte. Cada vez mais, devido ao advento do cinema barulho e comercial, grandes filmes passam longe dos cinemas e repousam nas locadoras e lojas de DVD´s de forma desconhecida, sem pôsteres e em prateleiras nos fundos. Cada vez mais, você, que se julga um verdadeiro fã de cinema, deve bisbilhotar estas prateleiras, pois em alguns momentos cai em suas mãos uma obra como este Sentidos do Amor.
Ignore o título em português que tenta resumir o filme a um romance de Nicholas Sparks e se coloque na presença de uma inebriante obra, que consegue ser um romance, ser um belo filme, sem ser piegas e sem se esbaldar em clichês pré-determinados, infundados e que não enganam mais ninguém. Sentidos do Amor, do diretor escocês David Mackenzie, se utiliza de um mundo pré-apolíptico que vai se “apocaliptizando” ao longo da fita como um pano de fundo para o romance entre um chef (interpretado de forma intensa por Ewan McGregor) e uma epidemiologista (interpretada de forma igualmente forte por Eva Green). O mais interessante é o modo como o diretor desenvolve o romance e o coloca à prova dos acontecimentos ao redor do casal. Conforme o mundo vai desmoronando, o romance se enraíza, ultrapassando o simples amor romântico e se tornando praticamente um escape para toda a tragédia que os envolve no que toca ao restante de suas vidas.
O romance se desenvolve em meio a uma epidemia, que após acessos extremos de um determinado tipo de emoção (dor, raiva entre outros) gera a perda de um dos sentidos do ser humano, algo que inicia com o olfato, vai para o paladar e segue seu curso, sem qualquer vislumbre de cura ou de explicação para tudo aquilo. A grande sacada de Sentidos do Amor é não cair no caminho mais fácil de “embelezar” uma tragédia, somente pelo fato de a mesma propiciar (ou conviver com) a existência de um grande amor. Mesmo nos momentos mais belos do romance entre os dois, o clima da fita é sombrio, drástico e extremamente soturno, resultado de uma fotografia acinzentada, lúgubre e que parece expelir fuligem ao longo de toda a fita. A trilha sonora é precisa, e o roteiro consegue escapar (outro grande mérito) de momentos “songs of love” carregados e que tentam forçar um grande amor. Mackenzie acerta a mão, nos brinda com enquadramentos e cenas maravilhosas (com destaque para a união do casal, na imagem que estampa o pôster do filme no início deste texto) e constrói tanto um romance quanto uma catástrofe que segue seu curso de força extremamente natural, triste, porém natural, de tal forma, que no momento em que amor entre os protagonistas se torna o centro, você aceita e torce por isto, tamanha a simpatia que se adquire pelo amor do casal, mediante à tristeza do restante. Se um grande romance é aquele em que torcemos pelo casal principal, os momentos finais da fita corroboram a ideia e te fazem sentir o impacto deste surpreendente filme.
Da mesma forma que outros filmes que, por mais que tenham diferenças, seguem a mesma linha de tendência, como Ensaio Sobre a Cegueira, A Estrada e Não Me Abandone Jamais, o pessimismo e a dureza do filme podem não agradar muitas pessoas, pois a esperança aparece em pequenos detalhes, sendo que estes muitas vezes se mostram pouco seguros, contudo, é inegável o tom de qualidade, de audácia e de originalidade deste ótimo filme, que não estreou nos cinemas brasileiros e que corre o risco de nunca receber o reconhecimento que merece. Enquanto Crepúsculos e comédias estúpidas banalizam o amor e enchem de besteira a cabeça daqueles que vão ao cinema, Sentidos do Amor passa despercebido, chegando apenas às mãos daqueles que buscam um pouco mais no cinema do que mero entretenimento. Em resumo, se você ainda não sabe o que assistir no próximo fim de semana, ou no seu próximo fim de noite, aceite minha dica e capte toda a beleza desta incrível obra. Imperdível.
(Perfect Sense de David Mackenzie, Alemanha/Dinamarca/Reino Unido/Suécia - 2011)
NOTA: 9,0