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quarta-feira, 6 de julho de 2011

ALÉM DA VIDA


Não é de hoje, que uma das especialidades de Clint Eastwood se mostrou ser a capacidade que o mesmo possui de transformar em algo simples, direto e acessível temas complexos e que muitas vezes são vistos como tabus pelas sociedades em geral. Em seus filmes mais “atuais”, Eastwood já tratou de pedofilia, preconceitos de vários tipos, eutanásia, corrupção, isso para citar apenas os mais explícitos, e o que se viu em todos estes casos foi um diretor muito coeso e que consegue arrancar de fórmulas batidas elementos no mínimo consistentes, e talvez seja isso que faz com que o veterano ator/diretor seja um dos nomes mais respeitados do meio.

Em Além da Vida, Eastwood novamente aposta na dicotomia tema complexo/execução simples para criar um filme simples, simbólico, poético, eficiente e muito bonito. Acompanhamos aqui três histórias que correm paralelas ao longo de quase todo o filme e que convergem no final, no melhor estilo Altman/Kieslowski. A primeira delas acompanha uma jornalista francesa que é vítima do tsunami que atingiu o sudeste asiático em 2004 e que devido a isso passa pela chamada “experiência de quase morte”, situação que altera toda a sua vida posterior. A segunda história acompanha um médium (pessoa que fala com os mortos, e que fala de verdade, sem picaretagem), que encara seu dom como uma maldição e que pretende se livrar de tal para viver uma vida normal. A terceira história acompanha um menino que perdeu em um acidente seu irmão gêmeo de quem era muito companheiro e que busca alguma ajuda para tentar contatar este irmão que sempre o ajudou.

A partir destas três histórias Eastwood pretende realizar uma análise profunda e concisa sobre uma das maiores questões da humanidade: O que acontece quando morremos? Esta questão é embargada por vários tipos de ecos, entre eles filosóficos, morais e principalmente religiosos, e é aqui que talvez encontremos o maior deslize do filme, que é o fato de o mesmo, de modo bem sutil, tomar um partido. O filme parte do pressuposto de que existe uma vida após a morte, ou algo após a morte, e em nenhum momento coloca qualquer possibilidade de inexistência de tal situação, em um movimento de crença um pouco complicado em aceitação para quem não possui tal crença. No momento em que o filme se deparar com alguém que não crê em uma vida após a morte, se este não comprar a idéia, pelo menos enquanto o filme se encontra em sua frente, tudo aquilo parecerá bobo e sem sentido.

Agora a pergunta que fica é: Se o filme não ignora sua crença, porque o espectador deveria? Não entrarei em questões pessoais e admito que tecnicamente e artisticamente o filme é muito bem construído, porém seu roteiro deveria ter tomado um pouco mais de cuidado com tal situação. A verdade é que Eastwood apostou na maioria, pois todos sabemos que a população crente em uma vida pós vida é muito amor que os negadores de tal entidade. Outro aspecto é que dentro destes crentes existem muitas variações, porém aqui, o filme acerta. Ao colocar várias modificações e alterações dos personagens quanto às suas situações, de certo a fita navega por várias crenças, o que, se não acerta em cheio toda pelo menos trabalha um pouquinho em cada modelo.

Aspectos argumentativos deixados de lado (pois o tema é interessante e pode gerar uma discussão muito longa), passemos a uma análise mais cinematográfica por assim dizer. Com a câmera na mão Eastwood é realmente um dos melhores. A ligação e a conexão que o mesmo consegue com seus personagens são intensas, e o modo como ele consegue se livrar das parafernálias que um filme que retrata em alguns momentos planos alternativos poderia gerar. Não há nada apelativo, e a simplicidade e objetividade de Eastwood realmente colabora para criar um clima muito interessante, além de conseguir fazer Além da Vida em nenhum momento descambar para um filme de fantasmas e de criações mirabolantes. O elenco é eficiente e encontra um Matt Damon cada vez melhor e cada vez mais a vontade na mão de Eastwood com que já havia trabalhado em Invictus. A fotografia é belíssima e a reconstrução do tsunami é uma daquelas cenas extremamente marcantes e de impecável realização.

Além da Vida pode não ter a força de Sobre Meninos e Lobos e nem o brilhantismo de Gran Torino, mas talvez seja, o mais clássico e plástico dos filmes de Eastwood. Direto e simples, o diretor consegue novamente se sair bem do tratamento de um assunto polêmico, por mais que, em alguns aspectos seu roteiro tenha falhas e exija do espectador uma “boa fé” que o próprio filme em si não possui para superar tais falhas. Agora, devo admitir que esta “boa fé” vale a pena, eu a tive e não me arrependo não, até por que no final das contas, assisti a um ótimo filme, tive boas experiências com o mesmo e minhas considerações sobre o tema continuam as mesmas de antes.


(Hereafter de Clint Eastwood, EUA - 2010)



NOTA: 7,5

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