Quando soube no ano passado do lançamento de A Parte dos
Anjos, o novo filme de Ken Loach, fiquei bem animado, afinal minha admiração
pelo cinema do diretor é muito grande e a cada novo filme seu já brota em mim
aquela curiosidade característica dos cinéfilos. Minha animação só
aumentou quando A Parte dos Anjos venceu o Prêmio do Júri do Festival de Cannes
no ano passado, contudo tal animação vinha sempre carregada por uma tristeza
latente: a de que dificilmente eu conseguiria ter acesso ao filme pelas telas
do cinema e até mesmo em
DVD. Todavia , coisas estranhas acontecem, e com uma surpresa
enorme, descobri que a nova aventura de Ken Loach estrearia em uma sala de um
dos cinemas londrinenses (isso há algum tempo atrás). Assim sendo, não perdi a chance e me dirigi ao local
gerador de minha surpresa.
Surpresa esta que não existiu ao longo dos pouco mais de noventa minutos da obra à qual dediquei este meu tempo. Conhecido por seu engajamento
esquerdista e por suas críticas a um enquadramento social desigual e que gera
desfavorecimentos de algumas classes em detrimento de outras, o cineasta
britânico se utiliza de uma sombria Glasgow para contar a história de Robbie, um
“jovem delinqüente” que é condenado a cumprir trezentas horas de trabalhos
comunitários. Neste trabalho ele conhece Harry, um apreciador de uísques que
presta auxílio ao garoto e o faz descobrir um talento natural para a percepção
desta nobre e apreciada bebida. A partir deste ideia o filme se desdobra em uma
leve comédia social com toques dramáticos.
Qualquer pessoa que tenha tido contato com a obra de Loach,
perceberá que em A Parte
dos Anjos o diretor aposta mais no humor do que no drama engajado propriamente dito,
algo já visto de forma bem mais sutil em À Procura de Eric. Porém, neste último, o elemento dramático ainda permanece e o humor aparece como refúgio dos personagens.
Em A Parte
dos Anjos o humor é mais central e se apóia nos dramas dos personagens para se
firmar. Jamais imaginei que soltaria grandes risadas em um filme de Ken Loach,
mas é o que acontece aqui (principalmente com o personagem Albert, o abobalhado
e atrapalhado amigo de Robbie). O humor é preciso, e consegue se colocar por
sua própria força, além de não atrapalhar a mensagem “oculta” que o filme
carrega, ou seja, a de uma juventude forçada e coisas “ruins” por uma sociedade
injusta, desigual e hipócrita. O engajamento social, econômico e cultural e sua
necessária crítica continuam presentes aqui, só que ao invés de mostrado de
forma dramática como normalmente faz, Loach opta por um humor correto e pouco
comum em seus filmes, mas que funciona muito bem. Para um cineasta com quase 50
anos de carreira, conseguir alterar a forma sem mudar o conteúdo é quase uma
proeza, ainda mais em um mundo preguiçoso como o de hoje.
A Parte dos Anjos pode até não ter causado em mim uma reação
tão grande quanto os meus filmes favoritos do diretor (Kes, Meu Nome é Joe e o brilhante
Ventos da Liberdade), mas já se mostra como um dos meus filmes favoritos de
2013. Imperdível.
(The Angel´s Share de Ken Loach, Reino Unido/França/Bélgica/Itália - 2013)
NOTA: 9,0
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